São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 1995
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Desequilíbrio fiscal

ANDRÉ LAHÓZ

O enorme sucesso do Plano Real no combate à inflação esconde alguns importantes desequilíbrios acumulados ao longo dos últimos meses.
São desequilíbrios que eram de certa forma até esperados, pois foram observados nos demais países que optaram por planos de estabilização com ancoragem cambial.
O primeiro, e mais óbvio, foi o chamado déficit em conta corrente. As importações de bens e serviços foram maiores do que as exportações, e essa conta deve fechar o ano com um resultado consideravelmente negativo. A crise mexicana explicitou os perigos da persistência desse déficit.
Outro desequilíbrio tem ficado mais à margem das discussões. Sua importância, no entanto, não deve ser negligenciada. Trata-se do desequilíbrio fiscal.
O Brasil vive hoje um momento de transição entre dois regimes fiscais distintos.
Até 1994, a inflação fazia com que as despesas do governo fossem equilibradas à força. Bastava esperar alguns meses antes de liberar o dinheiro a ser gasto e seu valor real ficava diminuído.
Em 1995, essa mágica acabou.
O resultado nas contas é evidente. O superávit operacional (incluídos os gastos com juros) foi de 1,3% do PIB em 94. Até agosto deste ano, o déficit acumulado era de 3,3%. Ou seja, uma deterioração fiscal de 4,6% do PIB.
O economista Raul Velloso, um dos maiores entendidos em contas públicas do Brasil, lista outros motivos para o superávit de 94.
A receita foi recorde naquele ano. Com o fim do IPMF (o imposto sobre o cheque) em 95, o governo perdeu cerca de US$ 6 bilhões na arrecadação.
É certo que o país apresenta crescimento econômico -o que tende a fazer crescer a arrecadação de impostos. Mas é pouco provável que o resultado das receitas em 95 seja superior ao de 94.
Além disso, houve um grande arrocho nos gastos no ano passado. Há agora uma pressão para aliviar parte desse arrocho.
O fim da inflação, lembra Velloso, traz também dois outros impactos negativos para as contas públicas.
De um lado, os salários do funcionalismo público deixam de ser corroídos pela alta dos preços (ou passam a ser corroídos de uma forma muito mais lenta).
Pelo contrário, houve até ganho real no período para os salários e aposentadorias.
Por outro lado, há uma certa pressão sobre os juros. Com a inflação em alta, muitas vezes os juros perseguidos pelo governo acabavam sendo parcialmente "comidos". O contrário ocorre quando a inflação surpreende para baixo.
Os juros estão custando muito para o governo. E, obviamente, não só porque a inflação está mais baixa do que se esperava, mas como resultado de uma política monetária do Banco Central.
Olhando para a frente, há alguns pontos que podem definir uma melhora nas contas públicas. A volta do imposto sobre o cheque e os reajustes salariais a serem definidos são exemplos.
A solução definitiva do problema, no entanto, é mais incerta.
O ideal seria um equilíbrio das contas. Mas isso depende de um avanço mais forte nas chamadas mudanças estruturais.
No curto prazo, a alternativa é encontrar formas não-inflacionárias de financiar o desequilíbrio.
Ou seja, forçar um aumento da poupança interna e externa que não provoque a volta da inflação.

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