São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 1995
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Kubrick encena um balé espacial em "2001"

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é preciso tomar ácido, como fazia Rita Lee, para viajar nas imagens de "2001: Uma Odisséia no Espaço" (1968), de Stanley Kubrick.
Eis, sucintamente, o "enredo": em uma missão com destino a Júpiter, em 2001, os astronautas Dave Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood) percebem que estão sob o controle totalitário do computador HAL 9000, que aparentemente enlouqueceu.
Em sua tirania, o computador não hesita em matar tripulantes e colocar em risco a missão. Esse era o aspecto, digamos, de "alerta" do filme: o homem, sob o domínio da máquina que ele mesmo criou, é uma criatura perdida no espaço sideral.
Para os espectadores que embarcaram nessa viagem -alguns deles dezenas de vezes-, entretanto, o enredo é o que menos importa. O que os fazia assistir a sessões seguidas do filme era sua vertiginosa riqueza visual, o casamento perfeito entre o ritmo das imagens e o da música (de Richard Strauss, Johan Strauss, Gyorgy Ligeti, Aram Khatchaturian).
O que atordoou os espectadores e revolucionou todo o cinema de ficção científica foi o modo como Stanley Kubrick encenou e coreografou um balé espacial, com naves complexas e aerodinâmicas dançando alegremente sobre um fundo negro e infinito.
Era como se vários mitos daqueles conturbados anos 60 -as conquistas espaciais, as "viagens" sensoriais, a liberdade ilimitada para o corpo- encontrassem sua tradução em imagens ideais. O infinito era o limite.
Algumas imagens do filme tornaram-se clichês aproveitados depois à exaustão pela publicidade, pelos videoclipes e pelo cinema.
A mais marcante é a do macaco que "inventa" a arma ao usar um osso para atacar inimigos. Eufórico, ele joga o osso aos céus. Numa fusão de imagens ocorre um salto de milênios: o osso se transforma numa astronave que flutua ao som do "Danúbio Azul".
Para além da tremenda força visual e dramática da cena, ela traduz uma idéia terrível, presente em praticamente toda a filmografia de Kubrick: a de que o homem é um animal que mata.
A ciência nasce junto com a destruição; cultura e barbárie são duas faces de uma mesma moeda. "Doutor Fantástico", "Laranja Mecânica", "O Iluminado", "Nascido para Matar" são todos variações em torno desse implacável diagnóstico.
A grandeza de Kubrick está em não fazer discurso sobre essas coisas, mas transformá-las em cinema. É um dos poucos cineastas atuais capazes de criar um universo visual completamente pessoal.
É chato dizer isso numa página de vídeo, mas "2001" em vídeo é uma obra mutilada, uma pálida imagem do espetáculo total, a um tempo clássico e wagneriano, que se vê na tela grande do cinema. Paciência. Para quem não pode ir a Roma, as fotos da Capela Sistina são consolo suficiente.

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