São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nem por um minuto

GILBERTO DIMENSTEIN

Enquanto passeava pelas ruas de Nova York, o presidente Fernando Henrique Cardoso me disse que não pensava em reeleição: "Nem por um minuto", acrescentou, num tom tão ameno como aquele dia ensolarado com ventos frios de outono. Expus essa frase a um político íntimo dos bastidores do Palácio do Planalto que, brincando, ironizou: "Um minuto é exatamente o tempo que ele não consegue ficar sem pensar na reeleição". Exagero, claro, mas a essência é verdadeira.
Não acredito que FHC role na lama no estilo Sarney para ficar mais tempo no Palácio do Planalto. Estou convencido, porém, de que ele considera quatro anos pouco e que adoraria uma saideira de mais quatro. Chego a essa conclusão sem precisar de informações de bastidor. Basta ver sua felicidade ao ser tratado com reverência nos ambientes diplomáticos.
Seu prestígio internacional está nas alturas. É apontado como um dos grandes estadistas do mundo por uma galeria de gente, nos EUA, que vai de Bill Clinton a Henry Kissinger -aliás, opinião compartilhada discretamente por Cristovam Buarque, do PT. Nunca um presidente brasileiro teve tanto prestígio internacional.
Confesso: gosto da idéia de não mexer em time que está ganhando. Até agora, vamos reconhecer, Fernando Henrique Cardoso está ganhando; apertado, talvez com um gol de legalidade duvidosa, mas está. Ele é metade do que fala de seu governo, mas o dobro do que falam seus inimigos.
Ninguém gosta de despedir um bom empregado. Batalhões de eleitores vão querer que ele continue depois de 1998. Desde que, é claro, a inflação permaneça baixa, o crescimento, razoável, além de um elenco de ações sociais -especialmente se perdurar esse vácuo de lideranças. É justamente a aposta íntima do Palácio do Planalto.
Ainda falta muito tempo até 1998. As tensões potenciais do país são gigantescas -a começar pelo emprego, que, numa sociedade tecnológica, é cada vez mais difícil de ser criado. As reformas constitucionais são capengas; a base parlamentar do governo, frágil. Nem de longe a guerra da inflação acabou: o país tem o biótipo de um indivíduo com propensão a ganhar peso. Emagrece depois de um regime forçado, mas, em pouco tempo, incha.
Se, por um lado, gosto da idéia de não mexer em time vitorioso, desconfio de mudanças de regra no meio do jogo. Desconfio também que uma reeleição duplica a taxa de bandalheira no processo eleitoral.
Minha dúvida é se um presidente brasileiro resiste a uma campanha para reeleição. Ele vai ser acusado (e algumas das acusações vão ter um fundo de verdade) de usar a máquina do governo, de obter escusos apoios empresariais, de prestar mais atenção à sua candidatura do que ao país.
É capaz, portanto, de sair chamuscado. Até ganharia a eleição, mas com um arranhão na sua imagem que, dependendo do tamanho, poderia afetar a estabilidade da nação.
PS - Depois de dizer que tem um pé na cozinha, o presidente revelou em Nova York que também tem um pé na sinagoga. Ele recebeu um estudo sobre um judeu fugitivo de Portugal nos tempos da Inquisição chamado exatamente Fernando Henrique Cardoso. Homem de sorte esse presidente: nascesse em outro século e tivesse essa riqueza, digamos, ortopédica, se escapasse da fogueira dos católicos, correria o risco de acabar num navio, sem direito a serviço de bordo, com destino a alguma colônia das Américas.

Recebi consultas por e-mail e pelo telefone sobre os motivos que teriam levado o senador Antônio Carlos Magalhães a dar em Nova York o pontapé inicial na candidatura Fernando Henrique Cardoso. Indagação frequente: por trás da entrevista não estaria o interesse em queimar um candidato? Talvez. Mas não acredito; seria óbvio demais.
Pelo tempo em que está no poder, sobrevivendo a todos os presidentes, ACM mostrou que tem uma das melhores antenas políticas (talvez a melhor) -além de ser intuitivo, ele é jogador de xadrez, sempre pensando como o movimento de uma peça hoje vai ter reflexos no futuro.
O PFL não tem candidato -Luís Eduardo não está preparado para 1998. E a solução FHC é ainda a melhor perspectiva ao partido. ACM está fazendo o que costuma fazer: sair na frente das tendências.
PS - Preste atenção nesse Luís Eduardo. Ao contrário do pai, não produz ódios e transita à esquerda e à direita. Muita gente do PT, como Aloízio Mercadante, Paulo Delgado e José Genoíno, distribui fartos elogios a seu comportamento. Ele trocou a vaga de vice-presidente, o que todos acharam uma "loucura", para ser presidente da Câmara, o que lhe deu uma visibilidade maior.

Uma boa notícia às mulheres com TPM -tensão pré-menstrual. Juízes americanos aliviam a pena ou mesmo absolvem mulheres que, afetadas pela TPM, cometem atos de violência. A culpa, no caso, seria dos hormônios.

Uma estatística plenamente aplicável ao Brasil. Quando um jovem americano chega aos 14 anos, já assistiu, em média, a 15 mil horas de televisão. É mais tempo do que passou com os pais ou professores.
PS - Acabei ontem de ler todo o estudo sobre adolescentes nos Estados Unidos, divulgado por psicólogos e educadores depois de nove anos de pesquisa. Desculpe a insistência: fundamental sua leitura por educadores brasileiros, sobretudo porque são apresentadas experiências bem-sucedidas. As bibliotecas das faculdades têm a obrigação de encomendar cópias, o que pode ser feito pelo telefone (001-202) 429-7979. Mais fácil, porém, encomendar na livraria Cultura, em São Paulo (011) 285-4033.

Texto Anterior: Líder do cartel de Cali anuncia rendição; Alemanha decide enviar 4.000 à Bósnia; A FRASE; Enteado do juiz do caso Simpson é preso; Banqueiro é indiciado por defecar em avião; Adiada decisão sobre aluguel de Chirac; Itália discute futuro do primeiro-ministro
Próximo Texto: Suposto líder zapatista diz ter sido torturado na prisão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.