São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 1995
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A remuneração dos médicos

CARLOS FREDERICO DANTAS ANJOS

Fala-se muito a respeito dos salários ou remuneração dos médicos na rede pública de saúde. Não raro aborda-se esse assunto, seja pela falta de médicos nas unidades de saúde, demissões em massa, cobranças por fora e greves.
Historicamente, o médico vivencia o ideal do profissional liberal -quando podia determinar o valor do ato médico. Hoje ele raramente pode fazer isso, com a realidade das várias inserções no mercado de trabalho e formas de remuneração, ao lado das precárias condições de trabalho.
Em consequência desse processo surgiram as tabelas de remuneração do ato médico, cujos valores são diferenciados, variando de R$ 20 -tabela AMB (associação médica)- a R$ 2,04 -tabela SUS. Admitindo-se que o médico atenda cerca de 14 consultas/4h/dia, em jornada de 20h/semana, teríamos uma remuneração mensal acima do que é pago como "salário", cerca de R$ 500 no governo do Estado de São Paulo.
Pelo sistema de cobertura ambulatorial (UCA) e hospitalar (AIH) do SUS, as unidades de saúde já faturam proporcionalmente ao que realizam, estando nelas embutidos o correspondente a honorários médicos. Logo, é justo e urgente que esse valor seja utilizado na remuneração do médico, o que poderá retomar o seu envolvimento com o sistema público de saúde.
Em sua implantação, o Sistema Único de Saúde (SUS), entre outros, cometeu um grave erro ao ignorar o papel dos profissionais de saúde, particularmente do médico, nivelando por baixo o seu salário e descaracterizando-o como principal profissional na equipe de saúde. Ou seja, o médico e sua remuneração passaram a ser apenas um detalhe e não peças fundamentais no funcionamento do sistema.
Essa política, aliada à falta de incentivos, educação continuada e perspectiva profissional, fez com que o médico perdesse o compromisso e interesse profissional pelo trabalho no setor público, hoje só preservado em honrosas exceções.
É preciso resgatar o papel do médico na equipe de saúde, valorizando-o de acordo com o tempo de formação, complexidade e responsabilidade do seu trabalho. Sua remuneração não pode limitar-se apenas aos míseros salários e sim deve ser composta por um piso salarial digno, acrescido de remuneração pelos procedimentos realizados e desempenho qualitativo coletivo e individual, condições essas necessárias para a sua adesão e participação na mudança de qualidade no atendimento público.
Tornar o sistema público de saúde resolutivo, eficiente e de boa qualidade também passa por esse desafio.

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