São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pistas para entender o déficit dos Estados

MAILSON DA NÓBREGA

As informações divulgadas pelo Banco Central sobre as necessidades de financiamento do setor público até agosto mostraram que o déficit operacional superou todas as expectativas: 3,3% do PIB (superávit anual de 1,2% do PIB em 1994). Os Estados e municípios respondem por dois terços do resultado nesses oito meses.
É uma situação intrigante. Estados e municípios tiveram expressivo ganho com a Constituição de 1988. Somando melhoria de arrecadação, novas incidências tributárias e transferências da União, suas receitas duplicaram como proporção do PIB. Como a economia também cresceu no período, o aumento foi de muito mais de 100%.
Além disso, no corrente ano eles também se beneficiaram da elevação da carga tributária, que deve chegar aos 30% do PIB. No final da década de 80, era de pouco mais de 20% do PIB. Trata-se, portanto, de um caso estranho de crise fiscal com receita pública em elevação.
Por que o déficit? Primeira pista (óbvia para a maioria): incúria administrativa de governadores e prefeitos, a julgar pelos conhecidos casos de administrações desastradas, desperdício e corrupção. Isso, todavia, nem se aplica a todos nem basta para explicar a situação.
Segunda pista (apresentada por técnicos do BC): o fim da inflação. De fato, no passado bastava adiar o pagamento de despesas. As dotações orçamentárias eram corroídas e o orçamento se ajustava (as receitas eram monetariamente corrigidas). Com a estabilidade da moeda, o truque se exauriu.
Terceira pista (sugerida por economistas, jornalistas de economia, governadores e prefeitos): os juros elevados. Eles têm muito a ver, em alguns casos.
A explicação serve também para o script de uma velha novela, a da rolagem da dívida, que se arrasta em capítulos monótonos há pelo menos 12 anos. No país onde tudo é direito adquirido, haverá sempre um jeitinho para, mais uma vez, aliviar Estados e municípios.
Quarta pista (muito conhecida dos iniciados no desastre fiscal da Constituição de 1988): as despesas predeterminadas pelas vinculações. Com a destinação obrigatória de percentuais da receita para educação, programas sociais e transferências a outros governos, a despesa aumenta automaticamente quando se arrecada mais.
Quinta pista (talvez a mais forte de todas): o aumento da despesa com o funcionalismo. Razões: novas contratações, vantagens incríveis a certos grupos e autonomia do Legislativo para fixar seus próprios salários e os do Judiciário.
O deputado José Genoino encontrou milhares de servidores ganhando mais do que o presidente da República (Folha, 21.10.95). A maioria está nas Assembléias, na Justiça, no Ministério Público e nos tribunais de contas.
Em alguns Estados, há uma inércia no crescimento das despesas de pessoal. Os gastos aumentam mesmo que não seja criado nenhum novo benefício. Muitos funcionários podem aposentar-se ganhando mais do que na ativa. A Justiça condena a torto e a direito o Poder Executivo a pagar vantagens e a "repor perdas. Governadores se tornaram gerentes de folhas de pagamento.
Um cipoal de leis ambíguas, votadas não raro em fim de mandato, faz a delícia de advogados, marajás e barnabés. Genoino mostrou que o procurador-geral do Piauí ganha R$ 20.192,50 por mês. É quase US$ 280 mil por ano, ou mais do que o dobro do salário de um juiz da Suprema Corte dos EUA. Por essas e outras, alguns Estados atrasam a folha e não têm como pagar o 13º salário.
Resolver esse drama, portanto, não depende apenas de uma determinada medida. A vitória do governo na questão da admissibilidade da proposta de reforma administrativa é uma das saídas. Se finalmente aprovada, inibirá a ação do Legislativo para aumentar despesas de pessoal e porá um teto na loucura de certos salários no setor público.
Não haverá, contudo, solução rápida. Essas e outras reformas vão demorar, diante da complexidade da agenda e da insuficiente capacidade decisória do sistema político. O importante é continuar aumentando a consciência da sociedade sobre a questão de exigir permanente austeridade dos governantes. É preciso juntar vontade política e paciência. O mais é sonho dos que desconhecem a realidade nacional.

Texto Anterior: Teoria e prática; Para alavancar; Pista dupla; Ranking global; On line; Fazendo economia; Fora do padrão; Pressão doméstica
Próximo Texto: Um imposto ambiental para gasolina e álcool
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.