São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 1995
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Hipócritas

JUCA KFOURI

Hipócrita é quem age como impostor, com fingimento, com falsidade.
Hipocrático, ao contrário, é o partidário da doutrina de Hipócrates, médico da Grécia antiga (460-377 a.C.). É quem segue fielmente o Juramento de Hipócrates, ritual obedecido pelos médicos ao se formarem.
E o médico Arnaldo Nazaré, do Cruzeiro, que retirou o jogador Luiz Fernando de campo para que o clube mineiro não fosse goleado pelo São Paulo, é o quê? Hipócrita ou hipocrático?
A primeira opção parece a mais simples. A segunda, no entanto, foi a que sempre pautou a sua vida.
E, no caso, é possível até cravar ambas as opções, uma contradição em termos: o doutor seria um hipócrita hipocrático.
Hipócrita, sem dúvida, é o jogador que leva a farsa adiante.
Jogador e médico, no entanto, são empregados do clube cuja direção mandou que agissem como agiram.
Hipócritas maiores, portanto, são o técnico e, principalmente, os cartolas do Cruzeiro.
Até porque a famosa lei da obediência devida foi devidamente desmoralizada quando a humanidade condenou os crimes nazistas --sem se falar da ditaduras mais recentes.
Que exemplo ético teriam dado os funcionários cruzeirenses, de Luiz Fernando a Ênio Andrade, passando pelo doutor Nazaré, se dissessem não à farsa dos cartolas!
Prevaleceu, porém, o critério de levar vantagem, de perder só de 2 a 0 um jogo que poderia ter uma contagem tão altissonante como seria a beleza do gesto de perder jogando o jogo todo, honrando a tradição cruzeirense -que não é pouca, muito ao contrário.
O médico sempre terá o argumento de que a dor é subjetiva e que ele não pode forçar a jogar alguém que não queira fazê-lo.
E é isso mesmo. O jogador sempre poderá dizer que ninguém é capaz de sentir a dor que sentia. E também estará certo.
O técnico sempre explicará que não lhe cabe discutir ordens superiores.
E nós, bobos da corte, sempre estaremos a postos para bradar por ética, profissionalismo, espírito esportivo, embora saibamos que nada disso é mais o fundamental.
Todos hipócritas. Mesmo que o maior, no caso, seja o presidente do Cruzeiro, Zezé Perrela.

O atleta Bariri está penhorado. A sociedade brasileira, penhorada, agradece. Sem vergonha.

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