São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 1995
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Cineasta capta mudanças no Vietnã

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

"O Ciclista e o Poeta" é o segundo longa-metragem do vietnamita Tran Anh Hug, 32, que ganhou o Leão de Ouro, principal prêmio, do último Festival de Veneza. Seu primeiro longa, "O Cheiro de Papaia Verde", foi premiado em Cannes, em 1993, e indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Os dois filmes falam sobre o Vietnã e o próximo, ainda em fase de projeto, também será sobre o país natal do cineasta. "O Vietnã passando por grande transformação e eu quero captar isso", disse o cineasta à Folha, em entrevista por telefone de Paris, onde vive.

Folha - Você escreveu os poemas que aparecem no filme?
Tran Anh Hug - Não foi um jovem vietnamita que é co-dialoguista do filme. Ele se chama Nguyen Trung Bing. Quando o encontrei ele tinha 24 anos e se dizia poeta. Eu o achei interessante e pedi que trabalhasse comigo. O último poema do filme são minhas lembranças de infância.
Folha - Você nasceu no Vietnã e morou lá até que idade?
Tran Anh Hug - Até os quatro anos. Depois vivi em Laos até os doze anos. Então na França, onde fiz meus estudos normalmente até quando cheguei à Faculdade de Filosofia e decidi fazer cinema. Estudei lá e fiz meu primeiro curta. Depois passei quatro anos escrevendo roteiros para longas sem poder realizá-los. Escrevi um segundo curta, que realizei e na sequência desse curta encontrei um produtor para produzir "O Cheiro da Papaia Verde".
Folha - Com todos os prêmios que já ganhou, não tem mais problemas para fazer filmes...
Tran Anh Hug - Para meu terceiro filme está garantido, mas, se encadeio uns três ou quatro fracassos, terei dificuldades.
Folha - A vida para os vietnamitas é tão dura quanto parece em "O Ciclista e o Poeta"?
Tran Anh Hug - A realidade é dura sim, mas o filme não é um documentário sobre o país. É um filme de ficção que dá meu ponto de vista sobre o Vietnã. Também há coisas doces, adoráveis e cheias de ternura que acontecem no país.
Folha - E por que você escolheu mostrar neste esse lado mais duro?
Tran Anh Hug - Porque neste momento o Vietnã vive um período de metamorfose. Em 1994 terminou o embargo norte-americano, que manteve o país isolado economicamente por 19 anos do resto do mundo. Isso fez com que o país vivesse na pobreza durante muito tempo. Hoje, o país se abriu ao capitalismo e as pessoas que conheceram privações durante todo esse tempo ficaram muito atraídas pelo mundo do consumo.
O país vive um tipo de ameaça que pesa sobre a inocência e a integridade da população. E todo meu filme fala sobre isso, sob um ponto de vista ficcional. O que queria mostrar no filme é esta ameaça sobre a inocência de meus personagens. Eles fazem um percurso iniciático em que descem ao inferno, que é representado no filme pelo mundo da violência e do crime. No fim, há um percurso de purificação.
Folha - O ciclista e sua irmã representam a inocência....
Tran Anh Hug - São seres inocentes. O poeta perdeu a inocência para o dinheiro fácil, mas ele é extremamente nostálgico da inocência perdida. O que faz com que tenha necessidade de ver a inocência no trabalho. Por isso joga a irmã do ciclista na prostituição e o menino no mundo do crime.
Folha - Você dedica o filme a seu pai e a figura do pai tem papel primordial para o ciclista.
Tran Anh Hug - A relação entre pai e filho foi o tema inicial do filme. No princípio queria fazer o filme sobre essa relação. À medida que fui trabalhando no roteiro percebi que isso tinha se tornado secundário e que o tema principal era a ameaça que pesa sobre a inocência da população. Mas esse tema da relação pai e filho me permite dar ao filme uma dimensão espiritual. Porque o que o ciclista esquece em seu caminho é o conteúdo da palavra de seu pai que lhe diz: "Tente encontrar algo mais digno". Ele se engana. Fazendo sabotagem e ganhando dinheiro, podendo escapar da polícia, se sente poderoso. Quando refaz os laços com seu pai, ele se libera espiritualmente do mundo do mal. Folha - Você já tem o projeto para seu terceiro filme?
Tran Anh Hug - Sim, mas ainda é uma idéia vaga. Chama-se "Álcool de Arroz - Camarões Secos". Passa-se em Hanói e é uma oportunidade para mostrar uma outra cara do Vietnã.
Folha - Você pensa em filmar sempre o Vietnã?
Tran Anh Hug - Não. Tenho outros projetos que não são sobre o Vietnã. Mas vou deixar para mais tarde. Neste momento, a prioridade é o Vietnã. Porque é um país que está mudando muito e eu quero captar esta mudança.

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