São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 1995
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O Estado e o crime

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Anteontem, três sequestros desenvolvidos com a mesma técnica podem configurar o primeiro erro tático do crime organizado no Rio de Janeiro. Para quem tinha dúvida sobre a central do terror instalada na cidade, os três atos acabam com as suposições.
O aparelho policial do Estado, nele incluindo a variada gama de detetives, investigadores, guardas, inspetores, graduados e praças da Polícia Militar, está infiltrado pela "holding" do crime. Há ramais nesse polvo gigantesco: pontos de bicho, de droga, de prostituição infantil, de desmonte de carros etc. Mas o espectro se amarra e sustém em um chassi dentro do próprio aparelho do Estado.
Fora da Sicília, é o esquema mais próximo ao da máfia. Os tentáculos podem operar isoladamente. O padrão-ouro que garante todas as operações nada tem diretamente com o desmonte de carros roubados ou com a briga pelos pontos de droga. Setorizado, o varejo do crime se apóia e expande dentro de um sistema central -e é por aí que o erro foi cometido anteontem. Pela primeira vez esse núcleo tentou se impor ao Estado oficial, expondo-se escancaradamente.
Não adianta ao governador nem às autoridades da Secretaria de Segurança perderem tempo e histamina em procurar culpados fora do próprio governo. Tal como no caso da Máfia, a infiltração não foi feita da noite para o dia. As revelações que já surgiram no passado mostram que os homens de ouro da polícia eram sócios ou beneficiários dos crimes que espalhafatosamente combatiam e, em alguns casos, até puniam.
Esses homens de ouro, peças de sustentação na engrenagem, por mais importantes que fossem não formavam o círculo central da operação. Tanto que caíram e tudo continuou como antes.
O ex-governador Moreira Franco prometeu acabar com a violência no Rio em seis meses. Brizola o sucedeu e chegou a ser responsabilizado pela sua concepção pessoal do problema. Marcello Alencar elegeu-se com a garantia de que, com ele no poder, o crime acabaria. O crime não acabou. Quem está acabando é o Estado.

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