São Paulo, sábado, 28 de outubro de 1995
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Está na hora de repensar o Tribunal do Júri

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Durante os 474 dias do julgamento de O.J. Simpson, o astro do futebol e da televisão dos Estados Unidos, fiz a anotação mental de que retornaria a um tema do qual tenho tratado, de quando em vez: o do tribunal do júri e de seu papel na realização da justiça.
Depois que a sentença absolutória foi dada, achei melhor esperar um pouco, para poder ler as anotações mais sérias sobre as repercussões daquele julgamento, de modo a trazer para o leitor uma visão equilibrada dos aspectos jurídicos envolvidos. A espera foi boa, dando origem a um outro "gancho" (no jargão jornalístico é o assunto que chama o comentário) para dar atualidade ao assunto: o julgamento, pelo júri de Mogi das Cruzes, de dois surdos-mudos, que foi, aliás, objeto de densa ponderação de Otavio Frias Filho, neste jornal.
No Brasil a instituição do júri é garantida pela Constituição Federal, no inciso 38 do artigo 5º, com competência exclusiva para o julgamento dos crimes dolosos (aqueles em que o agente quer o resultado) contra a vida, tentados ou realizados.
Ou seja, mantemos a organização judiciária especial do júri só para um tipo de crime, diferentemente dos Estados Unidos, onde os delitos e a maior parte das questões civis são decididas pelo corpo de jurados.
As teorias dos doutrinadores sobre o tribunal do júri vinculam sua principal qualidade à afirmação de que proporciona o julgamento dos cidadãos por seus iguais. Distingue-se do julgamento estritamente técnico, dos juízes de carreira. Para grande parte dos estudiosos essa qualidade mostra o fundamento democrático do júri. Alguém do povo é julgado por pessoas do povo, em equilíbrio -acusado e julgadores- na sociedade.
Lembram, ainda, os que favorecem o júri, outro lado democrático, pois se destinou no entender deles, a impedir o julgamento pelo rei e apenas por ele, permitindo a avaliação da conduta do acusado pelo corpo de jurados.
Escrevi anteriormente que nenhum desses argumentos me parece válido. Começo por acentuar que a origem não foi democrática. Tratou-se apenas de um remédio, destinado a beneficiar os nobres, contra o poder absoluto do rei, nada tendo a ver com o julgamento de pessoas estranhas à nobreza.
Também entendo que o propalado julgamento pelos iguais é falso. O acusado só vai a júri depois que o juiz técnico emite uma decisão, reconhecendo que estão presentes certas circunstâncias que justificam a submissão ao julgamento colegiado.
O júri, porém, é composto por julgadores que raramente são iguais aos acusados. A imensa maioria destes é de gente pobre, inculta. Os jurados são, com frequência, de classe média, colhidos entre funcionários públicos, professores, gente do comércio, bancários, cujo grau de cultura e cujo nível social raramente coincide com o daquele que é julgado.
O caso de O.J. Simpson permite uma conclusão aplicável no Brasil. A pessoa com possibilidade de obter o auxílio de grandes advogados, de contratar os melhores peritos, de preparar a prova, desde a fase do inquérito, de modo a introduzir a dúvida no espírito dos jurados, dificilmente será condenada.
Dizem os advogados que homem rico e mulher bonita dificilmente sai do tribunal para a cadeia. Nesse campo a cor da pele não faz muita diferença. O que faz diferença é a situação econômica, como se viu com Simpson.
O tribunal do júri está sendo reapreciado nos Estados Unidos. Lá também tem garantia constitucional, mas o crescimento da criminalidade, a insuficiência dos mecanismos punitivos e o envolvimento cada vez maior das questões técnicas vêm sugerindo formas mais adequadas de submeter os acusados a julgamento. Creio que a reapreciação também tem cabimento no Brasil.

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