São Paulo, sábado, 28 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reforma agrária, por quê?

Luciano Mendes de Almeida
Esse foi o tema central apresentado pela CNBB nesta semana ao presidente da República.
A pessoa humana, por força da própria dignidade, tem o direito de manter a própria sobrevivência e a de sua família por meio do trabalho. No entanto, a desigual e injusta distribuição da terra impede o acesso de milhões de brasileiros ao trabalho rural. Em contrapartida cresce a centralização fundiária, colocando nas mãos de poucos propriedades muito extensas.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) vem acompanhando a violência estrutural no campo e apresentou um amplo relatório mostrando que, só em 1994, ocorreram 485 conflitos, dos quais resultaram 47 assassinatos. Em 1995 houve, até hoje, 31 assassinatos.
A demora em promover uma distribuição mais equitativa da terra tem causado desgaste e tristeza naqueles que não foram devidamente atendidos e gera uma série de efeitos negativos: continua o êxodo rural e o inchaço das cidades, onde muitos terminam por somar-se aos pobres da rua; milhares de brasileiros migram para outros países, desiludidos por falta de solução em nossa pátria; difunde-se o descaso pelas decisões governamentais e a tendência a multiplicar grupos descontentes e até revoltados.
Não se vê por que atrasar a reforma agrária, pois as terras ociosas no Brasil são extensas e suficientes para que todos possam ter onde morar e trabalhar. A presidência da CNBB, em documento recente, refere-se ao próprio Incra lembrando que no Brasil há mais de 100 milhões de hectares de terras ociosas.
Por que tanta delonga em acionar medidas que promovam a permanência e o desenvolvimento do homem no campo? a) é preciso urgir uma reforma tributária capaz de desestimular as grandes propriedades improdutivas; b) cuidar da formação adequada dos adolescentes e jovens do meio rural. Entre as formas válidas tem dado melhor resultado a educação na "Escola-Família-Agrícola" (EFA), mais conhecida no Espírito Santo, Bahia e Piauí. Esse processo, alternando períodos de 15 dias na escola e no próprio lar, garante o vínculo familiar e tem a vantagem de habilitar o jovem a métodos atualizados de trabalho; c) assegurar o atendimento programado e imediato aos grupos dos sem-terra. O que impede que se atenda, desde já, esses grupos, que há anos aguardam uma solução pacífica e eficaz?; d) conceder o apoio às famílias dos assentamentos por meio de créditos bancários, serviços de saúde, tecnologia, escoamento do produto e outros incentivos.
Essa demora lamentável em dar solução à questão fundiária tem raízes, uma vez que, desde o tempo da colonização, houve demasiada concentração de terras nas mãos de poucos. É chegada a hora de incentivar e fortalecer a agricultura familiar e as formas de associativismo, que dignificam a pessoa, promovem o relacionamento fraterno e o exercício da cidadania.
O presidente da República manifestou o propósito de assentar mais famílias nos próximos anos. Não faltam ao governo instrumentos jurídicos e recursos materiais para realizar a meta. Que a vontade política de nossos governantes inaugure uma fase nova pelo bem da população rural, sofrida, incompreendida e que detém reservas morais de inestimável valor.
Referindo-se ao Brasil, o papa João Paulo 2º tem afirmado: "A reforma agrária não pode fracassar. É questão de paz, de justiça social e fortalecimento da democratização". Deus nos ajude para que não tardem a distribuição equitativa da terra e o apoio à população rural em nosso país.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

Texto Anterior: A caneta da sucessomania
Próximo Texto: AS REGRAS DO JOGO; TÃO PERTO, TÃO LONGE; TOLERÂNCIA SELETIVA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.