São Paulo, sábado, 28 de outubro de 1995
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A caneta da sucessomania

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Os juristas que se danem. O presidente da República, com o poder de sua caneta, não precisa mais deles. Tampouco da Constituição. O que alguns ditadores conseguem com o terror e o crime FHC está conseguindo com a esperteza de usar sua caneta para nomear ou demitir.
Seu horizonte administrativo se resume a 500 e poucos eleitores. Obtidos três quintos deles -e qualquer preceito constitucional pode ser mudado. É uma bênção que FHC não seja sanguinário. Nem tenha propósitos guerreiros. Com a força de sua caneta ele pode arrancar do Congresso uma declaração de guerra às Ilhas Papuas.
Pode também dispensar o pleito eleitoral de 1998 sob a alegação de que nunca o Brasil esteve tão bem e que não se deve mexer em time que está ganhando. Evidente que o preço de cada uma dessas reformas varia de valor e oportunidade, mas tudo pode ser reduzido fisiologicamente a determinado número de cargos e verbas.
Ele terá sempre maioria, quer nas comissões ou no plenário. Há um computador ao lado de sua sala, no Planalto, que acusa o ânimo reformista de cada congressista. Tirante o pessoal do PT, PDT e de alguns partidos nanicos à esquerda, o resto é tudo massa de composição. Basta teclar o nome do parlamentar que se mostra recalcitrante e logo aparece na tela tudo o que ele pretende e negocia.
Cabe ao presidente a tarefa de não pagar muito caro o que pode lhe sair barato. Como a moeda é a nação, sempre haverá um cargo a nomear, uma comissão a preencher, uma verba a liberar. O fisiologismo acabou. O canetismo é mais rápido e objetivo, pois elimina intermediários. Entre a caneta do presidente e o congressista não há obstáculos, apenas negociação entre custo e benefício. O presidente paga o custo que considera adequado para ganhar o benefício pretendido.
Com o mesmo furor que usa a caneta para obter um Estado academicamente moderno FHC poderia estar promovendo reformas como a agrária, a da saúde e a da educação. Mas isso é política menor, subproduto da fracassomania. A caneta presidencial é arma e emblema da sucessomania.

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