São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 1995
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Enterraram o nº 10 em pé, como indigente

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quando Valdeir escapou sozinho, passou pela bequeira palestrina e enfiou a bola no gol de Velloso, mais uma vez meus botões comentaram comigo: de que adianta congestionar a intermediária com três volantes, se assim mesmo o Palmeiras toma o gol?
Isso foi com o Palmeiras, sábado, em Franca, contra o Flu, que, apesar de jogar todo fechadinho, também levou o seu, logo a seguir.
Em contrapartida, tanto Palmeiras quanto Fluminense mal roçaram a área inimiga, ao longo de toda a partida. Ou, pelo menos, não na proporção em que se exigiria de um clássico brasileiro desse porte. Valdeir foi lá mais uma vez; Muller surgiu na cara do goleiro tricolor umas duas vezes mais. E daí?
Daí que essa praga da multiplicação de médios-beques que se alastra pelo nosso futebol está matando a criatividade.
O Palmeiras, por exemplo, time de mais seleto e ilustre elenco do país, não tem na sua folha de pagamento um mísero meia-armador, um organizador de jogo desses que fazem a ligação entre o meio-campo e o ataque. Por isso, anda penando para se classificar nesse medíocre Campeonato Brasileiro.

Preparava-me para elogiar o novo regulamento do Campeonato Paulista do ano que vem, quando leio no jornal que o Corinthians pretende vetar a grande e redentora inovação proposta pela Federação: o item que estabelece a cobrança de tiro livre direto, da altura da meia-lua, contra o time que exceder 12 faltas coletivas.
Essa experiência foi adotada com êxito no campeonato de aspirantes do último Paulistão, e por ela luto há mais de 25 anos, como única alteração na aplicação das regras que pode resgatar o futebol como espetáculo de futebol, em vez do vale-tudo que transformou os campos de futebol em ringue.
Sim, porque desde quando a chamada falta necessária, que se multiplica sobretudo na zona de criação, transformada em zona de conflagração, o futebol, como arte, começou a fenecer.
Cadê o número 10, o cérebro da equipe, aquele cujo contato com a bola era o início de uma grande jogada de ataque? Morreu e foi enterrado em pé, como um indigente. Ora, se você mata o gol na sua geração, quando ele ainda é um feto, que esperar desse jogo, senão uma longa e tediosa queda-de-braço entre os trogloditas que habitam indevidamente o meio-campo, antes um fértil canteiro das mais variadas formas de criação?
E logo o Corinthians é contra a tentativa de restaurar o futebol na sua própria essência?
Seria o lado pequeno e obscuro que se esconde em toda grandeza.

No sábado, vi o novo time de Juninho em ação, contra o Manchester United, de Cantona. Uma lástima. Aliás, o futebol inglês continua na Idade da Pedra. Em 90 minutos de partida, nem sequer uma sequência de três passes corretos. A bola só recebia um raio de luz quando caía nos pés do francês Cantona. Prevejo, pois, que, ao menos na abadia de Middlesbrough, o pequeno Juninho será coroado rei. Jogando nada, já estará anos-luz à frente dos demais.

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