São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 1995
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Coitados dos ricos

DARCY RIBEIRO

Mário Amato está distribuindo um comovente folhetim multicolorido da CNI sobre as tristezas dos nossos grandes empresários.
Os coitados morrem de inveja de seus colegas argentinos e sobretudo dos chilenos, que enfrentam cargas tributárias muito menores.
Acresce que suas taxas de juros bancários são mais razoáveis e eles são muito menos onerados pelas contribuições para fins sociais.
Mas não é só isso. A movimentação e a rentabilidade dos containers deles são muito superiores. Se pudessem, todos se mudavam do porto de Santos para o de Valparaiso.
Pior ainda é o descaso governamental brasileiro com as infra-estruturas de energia, transporte e comunicação indispensáveis a seus negócios. Só levamos vantagem nas modernidades de telecomunicação, em que o governo gasta uma fortuna, mas muito menos do que seria desejável.
Tudo isso será provavelmente verdadeiro e também doloroso para os grandes empresários. Mas faltam dados para que nós, leigos, assumamos suas dores.
Qual é a avaliação que Amato faz do que sonegam nas nossas grandes empresas? Há quem calcule em 50% e até quem supõe que seja mais de 100%.
Na França, os contadores podem perder o título e até ir para a cadeia se ajudam seus patrões a sonegar. Aqui, contadores e economistas são especialistas nisso.
Outra curiosidade que nos coça é da razão por que nossos empresários pagam salários três a quatro vezes menores a seus operários do que pagam os estrangeiros para produzirem as mesmas coisas.
Essa sovinice, associada ao abocanhamento de quase toda a renda pelos capitalistas em prejuízo dos assalariados, não será também uma razão causal da mediocridade da nossa economia? A vexatória distribuição de renda que exibimos como a pior do mundo é a expressão mais clara desse descompasso. Aqui, a relação é de 50 moedas para os ricos para duas que entregam aos pobres. Uma esmola.
O pior de tudo é que os amatos se queixam chorosos, querendo mais. Para isso pedem uma nova Constituição que ignore totalmente a pobreza dos pobres e beneficie ainda mais os ricos.
A ideologia que sustentam e difundem assevera que banqueiro é o empresário mais eficiente e o melhor promotor do progresso e do enriquecimento do povo. Mentira. Só repetem a piada do Delfim sobre o bolo que ele ia dividir.
Bons são os homens públicos de espírito criativo, animados por grande responsabilidade social e forte apego aos interesses do Brasil. Foram eles que nos deram toda a riqueza pública que alcançamos em empresas que funcionaram como os úteros geradores da economia moderna do Brasil.
Expropriá-las, privatizá-las para as entregar aos fanáticos do lucro empresarial seria um suicídio.

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