São Paulo, terça-feira, 31 de outubro de 1995
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É a lógica prevalecendo

LUÍS PAULO ROSENBERG

A semana que passou foi rica em emoções fortes em todos os mercados internacionais. O índice da Bolsa de Nova York flutuou como sói acontecer apenas em países do Terceiro Mundo. Neste, a volatilidade foi assustadora: taxa cambial em disparada e fuga de milhões de dólares por hora no México; queda da Bolsa em Buenos Aires, dada a iminência da queda de Cavallo. No Brasil, as ações variaram quase 10% dentro de um mesmo dia.
Como nada dramático aconteceu, realmente, fica a perplexidade: como podem ocorrer tantas oscilações sem fundamento factual algum? Desta questão emergem três falsas respostas, de grande aceitação popular.
A primeira, simplista ao extremo, alega que os especuladores são assim mesmo. Covardes, assustadiços, vêem chifre em cabeça de cavalo, pêlo em ovo e, à semelhança das donzelas do século passado, empalidecem e desmaiam à menor manifestação de risco.
Aos defensores dessa tese, recomenda-se um contato mais próximo com agentes típicos dos mercados para uma simples constatação: todos têm nervos de aço, controle soberano sobre suas emoções e vivência mais próxima da de raparigas de beira do cais do que inocência virginal.
Dessa constatação vem a segunda linha de explicação, a conspiratória: são os pulhas de mercado que provocam as oscilações. Ávidos por capturar as poupanças dos ingênuos, os abutres acertam entre si altas e baixas inesperadas e se aproveitam da aflição provocada nos amadores para concretizar lucrativas posições.
No passado, quando aventureiros e grandes empresários (?) nacionais dominavam ditatorialmente as Bolsas brasileiras, fazia sentido essa linha de raciocínio. Hoje, com a globalização dos mercados, se um fabricante de roupas íntimas ou de televisores tentar fazer mercado, perde as calças e fica a ver navios.
Da globalização, então, surge a terceira explicação para a volatilidade, de nítido conteúdo paranóico: a da nuvem de liquidez.
Assim, algo entre US$ 10 trilhões e US$ 20 trilhões desloca-se pelo mundo qual passaralho impiedoso, na velocidade da informatização, aterrissando ora aqui, ora acolá, sugando a riqueza financeira local à exaustão e deslocando-se em seguida para outras plagas, deixando um rastro de destruição e insegurança com suas ordens globais de compra e venda.
Sem dúvida, ocorreu a globalização dos mercados, sob a liderança dos grandes gestores de fundos, tornando mais rápida a contaminação entre os mercados mundiais. Daí até acreditar que são eles que provocam a volatilidade vão milhas de desconhecimento do mundo real.
Na verdade, a volatilidade tem sempre a ver com os fundamentos da economia mundial. Hoje, sob a paz aparente da supremacia inconteste do regime da economia de mercado sobre o sonho socialista, oculta-se um pântano perigoso, cujas emanações produzem instantes de lucidez nos agentes econômicos quanto à instabilidade das economias do Primeiro Mundo.
Começando pelo exemplo de estabilidade e seriedade, o Japão. Entre perdas na Bolsa de Tóquio, investimentos imobiliários apodrecidos e créditos perdidos, os bancos de lá acumulam perdas patrimoniais de cerca de US$ 1 trilhão. Portanto, quebradinhos-de-marré-de-si.
Se os bancos fossem para o caixa-prego, como recomendaria a pura microeconomia, o Japão voltaria à opulência econômica da era dos samurais. No processo, arrastando os tigres asiáticos e o Tesouro americano: o regabofe de consumo ianque, ano após ano gerando déficits comerciais gigantescos, está sendo financiado pelo uso dos saldos comerciais japoneses na aquisição de títulos do governo americano.
Desse financiamento participa também a circunspecta Alemanha, cujo coração social-democrata empurra-a a subsidiar em quase US$ 10 bilhões anuais suas superadas minas de carvão, ter a previdência mais generosa e onerosa da Europa, pagar os salários mais altos do mundo e já não ter uma empresa sequer competindo com Estafados Unidos e Ásia nos setores de tecnologia de ponta: questão de tempo, portanto, para dar sinais de fadiga enquanto tenta absorver seus maltrapilhos irmãos comunistas.
Das finanças dos demais grandes países europeus, melhor nem falar. Por perto, o México mergulha numa recessão cujos frutos econômicos são muito positivos para sua necessidade de honrar compromissos externos; mas, politicamente, dá para evitar o levante de Chiapas? O mesmo se aplica aos 20% de desemprego argentino.
E aqui? Os avanços recentes do anti-Real são notáveis: o Congresso quer palpitar nas privatizações, Jatene consegue sensibilizar o Senado para o seu IPMF, Roseana precisa rolar sua dívida, Covas luta para manter seu Banespa, Sergio Amaral avisa que a alíquota de 70% veio para ficar, tributa-se o capital estrangeiro na Bolsa, o Tesouro paga por mês a taxa de juros que um aplicador lá fora recebe por ano e o déficit público está explodindo.
Obviamente, não se trata de um quadro de catástrofe. Se fosse, em vez de volatilidade, estaríamos observando o colapso dos mercados. Mas, se não houver muita competência e sensibilidade por parte dos governantes, o quadro econômico internacional pode se deteriorar rapidamente.
Explica-se, portanto, a volatilidade dos mercados sem se precisar recorrer à demonologia: há mais bombas-relógios espalhadas no mundo, fazendo tique-taque, do que seria capaz de criar a vã imaginação do especulador em seus dias mais inspirados.

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