São Paulo, quinta-feira, 2 de novembro de 1995
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Leia o discurso de José Ermírio

Esta é a íntegra da fala de José Ermírio de Moraes Filho nos EUA:

Sinto-me extremamente honrado e emocionado com a distinção que estou recebendo da Brazilian-American Chamber of Commerce. Esses sentimentos tornam-se mais intensos pela beleza da cerimônia e pela presença de meus familiares, amigos e tantas ilustres personalidades. A tudo isso acrescente-se o meu grande orgulho em dividir essa homenagem com o sr. Alexander Trotman, chairman da Ford Motor Company, cuja competência e realizações dispensam quaisquer comentários.
Confesso, todavia, que desde que soube da homenagem que iria receber fui tomado por um sentimento nostálgico, de difícil compreensão para os jovens de hoje em dia, para quem a vida é um presente contínuo, sem nenhuma preocupação ou motivo para olhar para trás. Para as pessoas de minha geração, entretanto, a vida está profunda e eternamente enraizada aos fatos e cenas do passado.
E qual é esse passado que me traz tantos sentimentos?
A resposta é simples:
Minha relação com os Estados Unidos começou muito cedo, quando aqui vim estudar, em 1945, na Colorado School of Mines. Viemos -meu irmão Antonio e eu- com meu pai, que se havia formado engenheiro de minas, em 1921, pela mesma universidade.
Foram seis dias de avião, de São Paulo até Dallas. Era a época da guerra. Para se ter uma idéia, a primeira escala foi em Bauru; a segunda, em Campo Grande, e daí para diante. Depois desses seis dias, enfrentamos, com notável disposição, mais 30 horas de trem, de Dallas até Denver. Foi uma verdadeira epopéia.
Golden, no Colorado, era uma pequena localidade que dava a sensação de estar separada do resto do mundo. As comunicações eram então dificílimas. Falávamos pelo rádio. Era a América ingênua e extremamente patriótica tão bem retratada por Norman Rockwell.
Nesses três anos e oito meses que fiquei sem retornar ao Brasil, pude ler e aprender bastante sobre a história, as instituições e os ideais do povo americano. Estou plenamente convencido de que o seu profundo senso de responsabilidade para com a família, para com a sociedade e para com o seu próprio país foram valores altamente marcantes e decisivos em minha formação.
Após o meu retorno, enfrentando a dura substituição do mundo acadêmico pela realidade das fábricas, comecei a trabalhar nas empresas do grupo. Voltei-me inteiramente para o setor industrial. A ele, tanto nas empresas como nas associações de classe, dediquei-me de corpo e alma. Posso afirmar -e faço-o com muito orgulho- que tenho quase meio século de vida ligado à indústria brasileira.
O setor industrial do após-guerra dava os seus primeiros passos, enfrentando toda a sorte de dificuldades. Muitas vezes, o objetivo nem era crescer; era questão de simples sobrevivência. Mas, graças a Deus, apoiados no entusiasmo e no trabalho de muitos, crescemos, a despeito da descrença e de um inexplicável pessimismo que faziam, como ainda hoje, um grande número de vítimas.
É curioso observar que o pessimismo de alguns brasileiros -felizmente poucos- não é coisa dos nossos dias nem data de pouco tempo. A frase "o Brasil está à beira de um abismo é de 1831. Mais de 150 anos! E o Brasil continuou crescendo, e muito, desde então. É a nona economia do mundo, com pessimismo e tudo!
Se é verdade que em nossas empresas sempre tivemos muito otimismo, não é menos verdade que sempre procuramos dosá-lo com a necessária cautela. Muito trabalho, baixo nível de endividamento, reinvestimento sistemático dos resultados, dedicação prioritária ao setor produtivo, cumprimento de nossos compromissos foram e continuam sendo verdadeiros dogmas de fé.
Cada vez mais concordo que nada resiste ao trabalho. Tenho profunda desconfiança dos chamados modismos da administração empresarial. As empresas -e os empresários- não sobrevivem sem renovação. Entretanto, essa renovação deve ser realista e consciente de seus objetivos, fiel à sua cultura, sem o abandono dos valores centrais -verdadeiros ideais- tão importantes em nossa vidas.
Ao assinar a Constituição americana, em 1787, Benjamin Franklin afirmou: "Quanto mais velho fico, mais apto me torno a duvidar de meu próprio julgamento e a respeitar melhor o dos outros. Todavia, neste momento, com meus quase 70 anos, não hesito em contrariar tão ilustre personagem. Minha idade e experiência fazem com que eu, mais do que nunca, acredite no meu julgamento de que o Brasil e o empresariado brasileiro são merecedores de todo o respeito e admiração.
A classe empresarial brasileira soube evoluir e mostrar uma notável capacidade de sobrevivência e reação diante de um sem-número de crises políticas e econômicas que teve que enfrentar. Superou índices inflacionários inacreditáveis, convive com taxas de juros insuportáveis e, "last but not least, sobrevive a um brutal arrocho fiscal. Vale registrar que, neste ano de 1995, a receita de tributos deve superar 30% do Produto Interno Bruto, o nível mais alto de toda a nossa história.
São nítidos os avanços da nova economia e do Plano Real. Temos, agora, uma moeda cujos primeiros passos são altamente promissores. A estabilidade essencial a qualquer projeto de justiça social e de prosperidade econômica parece próxima e viável, procurada e defendida por toda a sociedade brasileira. A inflação fez recuos apreciáveis e deu sinais de que não é mais um monstro indomável.
Mas, se de um lado a taxa de inflação está abaixo dos índices dos últimos 25 anos, não podemos correr o risco de eleger a política antiinflacionária em objetivo mitológico, que não permite o crescimento econômico, que inibe a geração de empregos e torna impossível a distribuição de renda. Seria o meio liquidando com o fim.
A solução não é fácil. Sabemos que fórmulas instantâneas não funcionam para problemas complexos. Temos, felizmente, um governo equilibrado, que busca o necessário acerto dessa difícil equação. Confiamos no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e em sua preocupação e competência em acertar o rumo de nosso querido Brasil.
O Plano Real, sem sombra de dúvida, é a maior prova dessa afirmativa. Previamente anunciado, sem surpresas, sem congelamentos, conseguiu superar um ano de vida e reacender muitas esperanças. Entretanto, estamos plenamente conscientes de que, sem as necessárias reformas estruturais, que se fazem cada vez mais imperativas e exigem o apoio decisivo do Congresso, corremos o sério risco de que todo esse esforço da nação não consiga atingir os seus objetivos.
Todavia, faço questão de repetir: confiamos na visão e na capacidade de nosso presidente e de todos os seus colaboradores, no patriotismo de nossos congressistas e, mais ainda, no engajamento de toda a sociedade nesta luta difícil.
O Brasil, nesta caminhada, pode contar com sua indústria. As fábricas, os empresários, os técnicos e os operários estão se modernizando com grande velocidade e enfrentando com galhardia os novos tempos da abertura econômica. Assim enfrentamos a disputa internacional, concorrendo em preço e qualidade com o que de melhor se produz lá fora, gerando divisas essenciais ao desenvolvimento do país. É por isso que não temos medo da competição legítima e celebramos, nos mais variados segmentos industriais, o sucesso dos produtos brasileiros que estão hoje na Europa, na Ásia, na África, na América Latina, na América do Norte, em toda parte.
Temos que evitar, a todo custo, esse mal do século que é o desemprego. A geração de empregos deve ser premiada e não castigada por uma legislação trabalhista que é um verdadeiro contra-senso, ao punir -sob o pretexto de compensar as injustiças- aqueles que querem produzir e empregar de acordo com a lei.
O Brasil é um país maravilhoso, pronto para o futuro. Abriga um sem-número de raças, que falam a mesma língua e convivem na mais perfeita harmonia. Nossa árdua e inadiável tarefa é a de buscar, o quanto antes, um consenso efetivamente nacional, uma proposta motivadora e inspiradora que permita que esse futuro possa, tão logo possível, ir se confundindo com o presente.
Meus amigos: agradeço a gentileza de todos vocês e a atenção dessa magnífica instituição que é a Brazilian-American Chamber of Commerce. Faço questão de compartilhar essa homenagem com meus familiares, companheiros de trabalho e colaboradores que permitiram -no correr de todos esses anos- essa ocasião de tanta alegria e felicidade.
Finalmente, rogo a Deus que ilumine e guie os Estados Unidos e o Brasil para que, juntos, exercendo sua liderança nas Américas, ajudem o mundo a encontrar a tão esperada paz e justiça social. Muito obrigado.

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