São Paulo, quinta-feira, 2 de novembro de 1995
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Substituição de dívida interna por dívida externa

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Nos últimos meses, a dívida pública interna vem crescendo de forma vertiginosa. De julho a setembro, a dívida mobiliária federal (exclusive carteira do Banco Central - BC) aumentou nada menos que R$ 29 bilhões, em grande medida por causa das altas taxas de juro e da esterilização do impacto monetário das operações cambiais.
Anteontem, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado autorizou o Tesouro a lançar novos bônus no mercado internacional para usar os recursos no resgate de títulos da dívida interna. Não houve, entretanto, um adequado esclarecimento do sentido que teria essa substituição de dívida interna por dívida externa.
As explicações dadas por meio dos jornais chegam às raias do ridículo. Afirma-se que o governo não utilizaria essa autorização por enquanto, pois seria uma contradição trazer dólares do exterior para resgatar títulos da dívida interna, "já que isso aumentaria a quantidade de dinheiro em circulação que teria de ser recolhida por novos títulos da dívida". Por aí se vê que reina uma certa confusão conceitual sobre o tema.
Em linhas gerais, a proposta de substituição de dívida interna por dívida externa é bastante simples. Enganosamente simples, como veremos. Em tese, os recursos captados pelo Tesouro no exterior seriam integralmente usados para recomprar títulos da dívida federal interna. O nível da dívida pública federal não se modificaria de imediato, apenas a sua composição.
Porém, como o Tesouro consegue colocar no mercado externo papéis de prazo mais longo e com taxas de juro mais reduzidas, aumentaria o prazo médio e cairia o custo médio da dívida federal. Isso tenderia a reduzir o déficit fiscal e, portanto, o crescimento da dívida no futuro.
Mas há certas condições que devem ser atendidas para que esses efeitos favoráveis possam se concretizar. Por exemplo, se a colocação líquida de títulos do Tesouro no exterior tiver como contrapartida um aumento de igual magnitude no nível de reservas do BC, o estoque da dívida externa líquida do governo permaneceria constante num primeiro momento.
Dado o déficit fiscal, tampouco haveria qualquer efeito sobre a soma da dívida interna e da base monetária. Qualquer recompra de dívida interna teria que ser feita com ampliação da base.
Pior: como a remuneração das reservas é inferior ao custo dos bônus que o Tesouro coloca no mercado internacional, no momento seguinte aumentariam o déficit fiscal e o déficit do balanço de pagamentos em conta corrente. Essa manobra só poderia se justificar se as reservas do BC estivessem abaixo do nível desejado, o que não parece ser o caso agora.
Para que a operação possa surtir plenamente os efeitos pretendidos, é preciso que as reservas internacionais do BC permaneçam constantes. Nesse caso, a colocação líquida de títulos no exterior expandiria a dívida externa líquida do governo federal. Dados o déficit fiscal e a base monetária, a dívida interna se reduziria na mesma medida e a composição da dívida pública se alteraria no sentido desejado.
Mas se as reservas cambiais não devem aumentar, é preciso que ocorra um movimento compensatório no balanço de pagamentos.
Isso poderia acontecer de duas formas, basicamente. A primeira seria o governo induzir um aumento no déficit das transações correntes do setor privado, por meio de uma valorização adicional do câmbio ou de uma diminuição das tarifas de importação, por exemplo.
A outra seria restringir ou desestimular a captação de recursos externos pelo setor privado, pela imposição de tributos ou depósitos compulsórios sobre ingressos de capital de curto prazo ou, ainda, pela redução das taxas de juro internas. Nesse segundo caso, ocorreria não apenas substituição de dívida pública interna por dívida pública externa, mas também substituição de dívida externa privada (ou de outros passivos externos do setor privado) por dívida externa pública.
Note-se que seria o aumento do déficit em conta corrente ou a redução da captação externa do setor privado que proporcionaria os recursos em moeda nacional para resgatar a dívida interna sem expansão da base monetária.
A primeira alternativa está (ou deveria estar) fora de cogitação, dado que o tamanho do déficit do balanço de pagamentos em conta corrente é uma das principais vulnerabilidades da economia brasileira. Já a segunda apresenta uma série de aspectos positivos.
Além dos efeitos favoráveis acima mencionados (melhora do perfil e diminuição do custo médio da dívida pública), essa operação traria outras vantagens significativas.
Como o Tesouro consegue, geralmente, colocar papéis no exterior em condições melhores de prazo e custo do que o setor privado, haveria também uma melhora do perfil e do custo médio da dívida externa do país. Diminuiria, portanto, a volatilidade das reservas do BC, que continuariam sendo "reservas emprestadas", mas que passariam a estar "lastreadas" em recursos de maior prazo e menos instáveis.
Finalmente, a substituição de captação privada por captação pública permitiria atenuar a subordinação da política de juros à situação cambial. Na medida em que o financiamento do déficit de balanço de pagamentos em conta corrente ficasse menos dependente de capitais que respondem a diferenciais de juros, o BC poderia afrouxar mais as restrições ao crédito interno e diminuir as taxas de juro, produzindo efeitos favoráveis de segunda ordem sobre a situação financeira do setor público.

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