São Paulo, sexta-feira, 3 de novembro de 1995
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Amazônia é 'filtro' do planeta, diz estudo

VANESSA DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A Amazônia pode estar limpando a atmosfera do planeta da poluição causada pela queima de combustíveis fósseis. Essa é uma das conclusões de estudo internacional publicado hoje na revista norte-americana "Science", cujos autores incluem três brasileiros, dois da Universidade de Brasília (UnB) e um do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
"A floresta está minimizando o impacto causado pela liberação de gás carbônico com a queima de combustíveis, absorvendo esse gás, disse em entrevista à Folha Antônio Miranda, da UnB, um dos autores do trabalho.
Mas não é só. Os resultados podem colocar em xeque o modelo tradicional de que grandes ecossistemas, dos quais a floresta amazônica é um dos maiores representantes, estariam em equilíbrio.
O modelo prevê que a quantidade de carbono consumida pelas plantas, na forma de gás carbônico, se igualaria à quantidade liberada por meio da respiração. Assim, o balanço entre o que é consumido e liberado seria zero.
"O que se pensava ser zero pode não ser zero (...). O modelo pode cair", disse. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Folha por telefone.

Folha - Por que a Amazônia funcionaria como um "dreno" de gás carbônico?
Miranda - O carbono estaria sendo absorvido da atmosfera e sendo fixado, sumindo dentro da vegetação. A grande pergunta é: para onde esse carbono está indo? Por que isso implicaria que a floresta amazônica está crescendo...
Folha - Ou então que a produtividade da floresta poderia estar aumentando...
Miranda - Sim. Também poderia estar havendo armazenamento de carbono orgânico de alguma forma no solo, mas esse tópico está ainda em aberto. De qualquer maneira, é um resultado muito importante, porque diz que a floresta está absorvendo mais gás carbônico da atmosfera do que liberando, o que quebra aquele conceito...
Folha - Do equilíbrio em ecossistemas?
Miranda - Exatamente.
Folha - Esse fenômeno de "drenagem" de gás carbônico foi observado em outros lugares?
Miranda - Na Amazônia, é importante dizer que, antes dessas medições, as pessoas acreditavam que o balanço entre a entrada e a saída de carbono seria zero.
Na fase de crescimento, uma floresta pode absorver cerca de 2,5 toneladas de carbono por hectare por ano, durante cem anos. Quando ela vai chegando perto de seu máximo, porque não pode crescer infinitamente, a quantidade de carbono absorvido é mais ou menos a mesma que a liberada. Assim, o balanço tenderia a zero. A grande surpresa é que, em áreas não-mexidas pelo homem, encontramos um valor diferente de zero.
Folha - Ninguém questionou o resultado?
Miranda -Houve uma série de suspeitas em relação à resolução do equipamento, se poderia haver um erro de medida. Todos os cientistas envolvidos tentaram checar possíveis furos de dados.
Ao mesmo tempo, é impossível, durante um ano inteiro, tirar medidas na floresta por causa das chuvas. É necessário fazer uma certa extrapolação.
Essa extrapolação é baseada em dados climatológicos, radiação solar, pressão de vapor etc. Assim, podemos usar modelos para prever que aconteceu nos anos passados ou durante um ano inteiro. É impossível não fazer extrapolações. Mas foi uma grande novidade, porque não esperávamos encontrar um valor diferente de zero.
Folha - Mas já havia alguma suspeita prévia de que isso estivesse acontecendo?
Miranda -Medidas do balanço global de carbono no mundo inteiro apontam para 2 bilhões de toneladas de carbono inexplicáveis, que não fecham o balanço. Isso considerando que grandes áreas de floresta tropical teriam balanço zero. Mas e se não fosse zero? Talvez explicasse a importância desse ecossistema em absorver o carbono extra que estamos jogando na atmosfera. O que se pensava ser zero pode não ser zero.
Folha - O modelo tradicional pode cair?
Miranda -Exato. Esse conceito pode não ser tão simples como se pensava.
Folha - É a primeira vez que pesquisas como essas são feitas em florestas não-mexidas?
Miranda -Em floresta tropical, é.
Folha - Se o modelo cair, como podemos avaliar, daqui para frente, o funcionamento dos grandes ecossistemas?
Miranda - O sistema estaria em equilíbrio desde que as condições ambientais também estivessem equilibradas. Esse detalhe é extremamente importante.
Como a concentração de gás carbônico está aumentando ano a ano, as condições externas também não são constantes. Assim, não podemos esperar que a reposta do ambiente seja a mesma.
Se as condições estivessem estáveis, aí esperaríamos balanço zero, mas, como a concentração de gás carbônico tem aumentado, talvez isso faça o sistema responder acumulando mais carbono.
Folha - A floresta estaria respondendo positivamente ao aumento de gás carbônico?
Miranda - Sim, extremamente positiva. O sistema está, de uma certa forma, tentando minimizar o impacto que causamos pela queima de combustíveis fósseis. O sistema tenta responder a isso, fixando mais carbono. Mas qual o limite disso? Sabemos que ele não vai responder dessa forma infinitamente, por isso os resultados servem de alerta.

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