São Paulo, sexta-feira, 3 de novembro de 1995
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Professora demitida da USP nega ter feito plágio

MARCELO RUBENS PAIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Erramos: 04/11/95
O acontecimento que mais mobilizou o meio acadêmico nos últimos tempos foi a demissão da professora do Departamento de Psicologia Social da USP, Luiza Beth Nunes Alonso.
Acusada de ter copiado, em um artigo, 140 linhas de diferentes autores, inclusive de um ex-aluno, Alonso foi exonerada em 24 de outubro depois de um processo de 600 páginas, que levou a Congregação do Instituto de Psicologia a votar pela demissão.
Pela primeira vez, Alonso, 44, com doutorado em Harvard (EUA), falou sobre o caso.

Folha - Por que só agora você resolveu falar sobre o caso?
Luiza Alonso - Fiquei com receio de aparecer na imprensa porque o processo era sigiloso. Segundo, não senti que havia espaço para ouvir o segundo lado. Foi um processo de muita visibilidade e a imprensa foi agressiva. Não tive o benefício da dúvida, sempre aparecia como culpada.
Folha - Mas tudo leva a crer que você é culpada.
Alonso - Não me sinto culpada. Tenho uma parcela de culpa com relação ao artigo do professor Alberto Melucci (da Universidade dos Estudos de Milão, Itália), com quem já conversei, enviei cartas e acertei a reparação.
Folha -E os outros textos?
Alonso - Pelo fato de sermos sociólogos com uma formação semelhante, é muito provável termos pontos em comum. Eu não me lembro de ter copiado e acho estranho uma pessoa com doutorado em Comunidades Eclesiásticas de Base copiar quatro linhas sobre o mesmo tema de outro autor. Quanto ao texto do Lídio (de Souza, que foi aluno de Alonso), eu acho que usamos uma fonte semelhante. De um texto de mais de 3.000 linhas, temos 63 em comum. Sou professora de um curso sobre representações sociais há mais de seis anos. A parte em comum não tem nenhuma originalidade.
Folha - Não houve plágio?
Alonso - Não. Na própria Comissão Processante está colocado que não houve plágio, mas violação do direito autoral. Antes de toda essa história, eu já tinha acertado com Melucci a reparação. Ele só pediu que numa segunda edição fossem colocados créditos. Tive de mudar o programa de computador e teve uma enchente na minha casa. Não estou justificando, mas foi um engano. Meu erro foi não ter feito a revisão final, coisa não condizente com um pesquisador.
Folha - As acusações mais fortes são do Lídio de Souza.
Alonso - Ele nunca veio falar comigo. Nos encontramos no Japão e ele nem tocou no assunto. Aparece agora como vítima. Ele é um instrumento. Quando fui eleita presidente da comissão de pós-graduação, começaram a achar que eu era ambiciosa, gerou falatório, pois não pertenço a nenhum grupo.
Folha - Você está dizendo que existe um grupo preocupado com sua ascensão?
Alonso - Acho que sim. Rolou muita baixaria. Tive até que provar que meus diplomas de Harvard eram verdadeiros. Vim de classe pobre, minha mãe era faxineira e, como mulher, achavam que eu estaria fadada ao fracasso. Foi um processo de desqualificação. Existiu também um preconceito de classe. E, como presidente da Comissão de Pós-Graduação, eu recebia denúncias de professores que não trabalhavam, até denúncias de uma tese com muitas linhas de um texto francês da década de 30.
Folha - A prática está virando comum?
Alonso - Está, pois muitas citações são de senso comum. Muitas vezes você não se lembra mais quem escreveu primeiro. Não é necessariamente mau caratismo.
Folha - O processo foi justo?
Alonso - Na Comissão Processante, dos três membros, apenas um pede a demissão. A Congregação tinha 18 membros em vez de 20. E, no início, as testemunhas de defesa foram ouvidas antes das de acusação. Minha advogada não compareceu pois alegou que não havia sido intimada. No mais, um processo sigiloso foi publicado na imprensa.
Folha - E agora?
Alonso - Fui exonerada. Não ganho mais nada. Vou ter que mudar minha identidade profissional, aos 44 anos, acusada de um crime que não cometi. Eu errei, mas houve uma proporção exagerada entre o delito e a pena. Tenho que mudar de profissão. Tudo bem, eu mudo, não tenho medo do trabalho. Talvez meu erro foi não ter feito conchavo.

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