São Paulo, sexta-feira, 3 de novembro de 1995
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'Balão Branco' é fábula sobre inocência

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: O Balão Branco
Produção: Irã, 1995
Direção: Jafar Panahi
Elenco: Aida Mohammadkhani, Moshen Kafili, Fereshteh Orfani
Onde: Espaço Banco Nacional, sala 2

O cinema do Irã não cessa de surpreender. Depois de Abbas Kiarostami e Mohsen Makhmalbaf, é a vez de o estreante Jafar Panahi apresentar ao Ocidente uma obra igualmente essencial.
Vencedor da Câmera de Ouro (melhor longa de estréia) no Festival de Cannes, "O Balão Branco" faz de uma história simples uma fábula de alcance universal.
Em Teerã, na véspera do Ano Novo iraniano (21 de março), Razieh, uma garota de 7 anos, convence a mãe a lhe dar dinheiro para comprar um peixinho dourado.
Com a nota dentro do jarro onde pretende colocar o peixe, a garota sai sozinha pelas ruas da cidade.
Filmada praticamente sem elipses, em "tempo real" (o tempo da ação é o tempo que dura o filme, uma hora e meia), o pequeno deslocamento de Razieh ganha a dimensão de uma emocionante odisséia. A floresta ameaçadora das histórias infantis é aqui a selva de maldades da cidade grande.
A câmera está sempre baixa, à altura dos olhos da protagonista e de seu irmão mais velho, que se junta a ela a partir de certo momento da história.
Os adultos, quando não estão ausentes (o pai de Razieh, por exemplo, de que só ouvimos a voz, dando ordens à mulher), são indiferentes, insensíveis ou cheios de intenções indecifráveis.
Um dos grandes achados do roteiro (escrito por Kiarostami) é fazer as crianças se depararem a cada momento com a possibilidade do mal -aparentes ladrões, falsários, homens que querem roubar seu dinheiro-, mesmo que essa possibilidade não se concretize.
Ao longo dessa viagem de poucas quadras, o espectador experimenta momentos de aflição quase insuportável, ao presenciar, impotente, a vulnerabilidade daquela menina diante do mal.
Ao alternar a tensão da ameaça ao alívio da salvação, este filme talvez cumpra, para os adultos, uma função catártica e terapêutica análoga à desempenhada junto às crianças pelos contos infantis.
O caráter de fábula moral é evidente. Há um desejo (comprar o peixe dourado), a determinação de satisfazê-lo, o perigo de se perder no caminho e o dever de levar o troco de volta à mãe.
A dimensão moral é realçada numa cena sutil. O irmão de Razieh sai em busca de um chiclete que, na ponta de um bastão, permitirá "pescar" a nota que caiu sob uma grade na calçada. Ele se depara com um vendedor cego de chicletes. Por um instante, contempla a possibilidade de roubar um. Ninguém vai saber. Mas ele se recusa e volta de mãos vazias.
A beleza do filme está nisso: fazer dessas pequenas criaturas um espelho de toda a humanidade e seus percalços no grande mundo.

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