São Paulo, sexta-feira, 3 de novembro de 1995
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A tirania do DNA

Como é natural, geneticistas tendem a valorizar a sua área. O mesmo vale para os antropólogos, psicólogos, psiquiatras etc. Assim, a discussão sobre o que é geneticamente determinado e o que é adquirido em função de condições culturais e ambientais já se tornou um debate secular.
Os avanços no campo da genética, em especial devido ao projeto Genoma, resultaram numa explosão de artigos científicos vinculando moléstias e determinados comportamentos a uma combinação de genes. Uma leitura apressada de reportagens sobre esses artigos nos jornais pode dar a falsa sensação de que tudo no homem já está geneticamente predeterminado, da orientação sexual às doenças que ele enfrentará. Não é bem assim.
Ninguém nasce destro ou canhoto, por exemplo. O bebê é bipotencial, e são as suas primeiras experiências que determinarão se ele desenvolverá a habilidade para utilizar a mão direita, a esquerda ou as duas. É claro que há uma predisposição genética, que é a explicação para o fato de a grande maioria da humanidade ser destra, mas nada que o ambiente não altere.
O psicólogo John Money, da Johns Hopkins University, tem um interessante estudo na questão do homossexualismo. Num episódio bizarro envolvendo gêmeos idênticos masculinos (com o mesmo material genético, portanto), um deles sofreu um acidente durante cirurgia de circuncisão que comprometeu-lhe definitivamente o pênis. O membro foi então removido e uma vagina funcional construída por meio de cirurgia plástica. Na puberdade, ambos os irmãos revelaram sentir atração pelo sexo oposto ao qual foram criados.
Money estudou outros 60 casos de indivíduos que foram criados no sexo oposto a seu sexo genético e obteve, no geral, resultados bastante semelhantes.
No outro campo, o mesmo Money acompanhou por 22 anos o caso de nove meninos que, desde a infância, apresentavam comportamento efeminado (voz, gestos, preferências por brincadeiras de meninas). Todos eles tornaram-se homossexuais, o que é forte evidência de que fatores pré-natais têm também grande importância. Cabe lembrar que o termo pré-natal não se resume à genética, entrando aí também todos os hormônios e demais fatores bioquímicos a que o feto está sujeito durante a gestação.
Sem negar a enorme contribuição que o mapeamento dos cromossomos humanos dá à medicina e à ciência em geral, é importante ter em mente que o DNA nem sempre é um ditador impiedoso, e existe muito de nós em nós mesmos: hábitos, traumas, hormônios e, principalmente, a cultura. Como já ensinava Ovídio, "Medio tutissimus ibis" (pelo meio irás muito seguro).

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