São Paulo, sexta-feira, 3 de novembro de 1995
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Temas nacionais

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Outro dia, caí em um vespeiro intelectual do qual me saí abominavelmente. Deu-se que um grupo de estudos convidou alguns escritores para um debate sobre temas nacionais. Li os jornais do dia para me atualizar com os ditos temas e fui para o auditório onde cerca de 200 pessoas, na faixa dos 20 aos 30 anos, esperavam pelas luzes de supostos entendidos em tão vasta temática.
O mediador, que aliás era mediadora, abriu os serviços lamentando que a televisão tenha feito sua opção preferencial por novelas e jornalismo de baixo nível. Lamentou também que o restante da mídia tenha esquecido os grandes temas para se dedicar exclusivamente à política, à economia e ao crime.
Abriu um caderninho onde anotara alguns tópicos que desejava trazer a debate. E apresentou uma estatística que ela considerou aviltante: há três semanas não lia nos jornais uma linha sobre Milton Nascimento. Há duas semanas ela ficara sem saber o que o Caetano Veloso anda fazendo ou dizendo. E, para coroar tal e tamanho descalabro, há mais de um mês não se prestava nenhum tributo ao finado Tom Jobim.
Bem, depois de tão graves revelações, uma mocinha de óculos levantou-se na platéia e acusou uma gravadora de ter sabotado um disco de não sei quem. Um rapaz barbado, parecido com o delegado Hélio Luz, botou a culpa nas multinacionais e no rock -aí a coisa esquentou, ia saindo bofetão por causa da globalização musical, havia uma corrente que era contra a reserva de mercado nas artes, mundo era mundo, o que tivesse valor fosse consagrado independente de credo, raça e idioma.
Depois de muita confusão, deram a palavra a um dos debatedores, um professor de literatura que se especializou em T.S. Elliot. Falou na terra devastada e mais não falou: a mediadora pediu que ele se ativesse aos temas nacionais. Chegou a minha vez: fui breve e procurei ser sábio. Perguntei se alguém sabia onde estava a ossada de dona Dana de Tefé. Acho que fui mal compreendido.

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