São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995
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'Bye Bye' combate cinema-hambúrguer

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Karim Dridi, 35, compara o cinema à culinária: ambas são artes que produzem alimento. Em ambas, diz, é preciso evitar o "hamburguesamento, a ditadura do standard, sem espantar o público.
Com "Bye Bye e "Pigalle, o diretor franco-tunisiano é uma das grandes revelações desta Mostra e se mostra fiel a seus princípios. Coloca em cena assuntos centrais das sociedades contemporâneas (conflitos étnicos, pobreza, droga), sem qualquer demagogia.
Sobre esses problemas e sobre cinema é que Karim Dridi fala nesta entrevista à Folha.

Folha - Por que você quis fazer um filme como "Bye Bye?
Dridi - Porque a comunidade da África do Norte representa de 8% a 10% da população francesa e nunca se havia feito um filme na sua intimidade. Quis mostrar uma família árabe, sua sensibilidade, a relação entre as duas comunidades.
Agora, pouco antes de "Bye Bye, foram lançados vários filmes sobre pessoas excluídas, negros ou árabes. É normal, porque por anos e anos não se falou delas.
Folha - "Bye Bye é um filme autobiográfico?
Dridi - Não. Minha família hoje é quase burguesa. As pessoas de que falo são pobres. Mas eu ser franco-tunisiano é a base do meu cinema. Eu nasci na Tunísia durante a guerra de independência.
Meu pai é tunisiano, minha mãe é francesa. Moramos nos dois países. É difícil assumir essas duas identidades tão diferentes.
Folha - Como você chegou ao cinema?
Dridi - Quando eu tinha 12 anos, ganhei uma câmera super-8. Aprendi a fazer cinema fazendo filmes. O cinema francês já não me interessava. Gostava dos americanos: Scorsese, De Palma, Coppola. Havia neles uma energia diferente do cinema francês, que era burguês demais, frio, maneirista.
Folha - Você me parece um cineasta muito francês, justamente por causa de sua dupla cultura.
Dridi - Exato. Mas eu tive a sorte de não ter sido assistente de ninguém. E de não ter sido influenciado por ninguém na França, ao menos os contemporâneos, porque de Grémillon, Renoir, Jean Vigo, os antigos, gosto muito.
Folha - E da Nouvelle Vague?
Dridi - Não. É um cinema de intelectuais, e tenho necessidade de coisas que transpiram, que existem. O que eu prefiro em Grémillon, Renoir etc. é que eles filmavam as classes populares, onde a vida é mais intensa, onde há mais luta, mais conflito, mais esperança e até mais beleza.
Folha - Fale de seu primeiro filme, "Pigalle.
Dridi - Eu estava preparando "Bye Bye, quando me propuseram fazer "Pigalle, que é uma realidade que eu não conheço, os "peepshows etc. Os dois filmes têm muitas diferenças, mas o método é o mesmo. Há uma longa preparação, um longo trabalho anterior com os atores, e nenhum princípio preconcebido: tanto trabalho com atores como com não-atores, é indiferente.
Folha - Você se sente próximo de um diretor como John Ford?
Dridi - De Kazan, que é mais visceral. Quando comecei, queria ter a direção de atores de Kazan, a espontaneidade de Scorsese e a imagem de Cassavetes.
Hoje, meu problema é outro. Fiz dois filmes em um ano. Agora, surgem propostas dos grandes produtores, e é difícil saber o que quero. Será que quero trabalhar com atores famosos? Ou continuar com desconhecidos? Será que vou conseguir fazer outros filmes?
Folha - Em certos momentos, "Bye Bye me pareceu escuro.
Dridi - A projeção (da quarta-feira) foi péssima. Gosto de trabalhar no limite. Se você erra, é impossível corrigir. Então, sem boas condições, com imagem escura e som inaudível, fica difícil.
Isso é um pouco elitista, mas é um compromisso. No cinema comercial, eles enchem tudo de luz. É como hambúrguer. Eu sou contra o "hamburguesamento do cinema. Para mim, a culinária é como o cinema. Há a receita, o roteiro; há o improviso, o sentimento do instante; há o tempero, os atores; e o molho, a montagem.
O hambúrguer é para consumir depressa, é um gosto standard. Esse McDonald de agora, no modelo dos "novos gênios, como Tarantino, é a morte do cinema. A arte é como o que se come, um alimento.
Folha - "Bye Bye tem muitas ramificações na trama. Por quê?
Dridi - Porque há 19 personagens na história. Na literatura, você pode trabalhar bem sobre essas ramificações. No cinema, nem tanto. O público simples, que não tem o costume de ler, talvez tenha dificuldade de sintetizar.
Folha - Você sai da história central, depois volta. Há aí uma "vagabundagem muito rica.
Dridi - Mas há pessoas que vêem nisso um defeito. Acham que às vezes a atenção decai.
Folha - O filme fez sucesso?
Dridi - Cobriu os custos. Ele foi lançado em outubro, no momento em que começaram os atentados em Paris. E algumas pessoas tiveram medo de ir ver um filme que falava, justamente, dos árabes.
Folha - Como você vê a questão racial na França, hoje?
Dridi - O que acontece na África do Norte é muito grave. Na França se critica muito o fundamentalismo. Mas quem fabricou o fundamentalismo? É fácil para os ocidentais dizer: os muçulmanos são fundamentalistas, eles querem nos colonizar, sei mais o quê.
A realidade é que os povos do Magreb estão famintos. A solução que encontram é a religião e a religião vai contra o Ocidente. Se no Brasil a religião muçulmana fosse mais presente, penso que o Brasil seria bem fundamentalista. Porque eu vi coisas inacreditáveis aqui.

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