São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995
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Stoklos leva o seu melhor teatro aos filhos

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma cena de "Elogio", peça roteirizada por Denise Stoklos com base em Jorge Luis Borges, é mais esclarecedora do teatro da atriz do que todo o corpo de teorização que ela reuniu sobre o que chama de teatro essencial.
Stoklos fala de teatro ao filho. Quem está em cena, ainda que com um diálogo previamente estabelecido, são a mãe e Piatã Stoklos Kignel, como em alguma cena real, talvez um momento de ensaio transformado em quadro.
Como toda mãe impaciente que ensina ao filho o que ele já devia saber, por óbvio que é, ela fala apressada de duas manifestações da arte -aliás, até hoje não muito aceitas como teatro.
Primeiro, Arrelia, o palhaço. Stoklos, em linguagem cômica e popular particularmente feliz na montagem, chega a obrigar o menino, resistente, a ajoelhar para homenagear Arrelia.
Depois, a "stand-up comedy", o monólogo cômico que se faz em pé, de tradição em Nova York. Em pé, mas muitos já apresentam sentados, diz ela, no que o crítico entendeu como referência ao mais bem-sucedido dos espetáculos recentes do gênero, "Monster in a Box", de Spalding Gray.
Em Arrelia, que encantou os modernistas nos anos 20, e na comédia "stand-up" estão a síntese, a essência do teatro de Stoklos, no que ele tem de melhor.
O melhor não está na versão entre virtuosista e rancorosa dos anos recentes, mas na facilidade com que consegue atingir o limite entre o humor mais popular e a tragédia patética -como conseguiam Arrelia e, por exemplo, em "stand-up", Spalding Gray.
"Elogio", que quebra a forma costumeira da atriz no palco, a começar pelo elenco e pela música ao vivo, é por outro lado o melhor de Denise Stoklos de volta.
Relatos dizem que a peça chegou a ser vaiada em Porto Alegre, na estréia, em apresentação de festival. Não é difícil entender por quê. "Elogio" não é para público de festival -o público, aliás, que vem sustentando as montagens de Stoklos nos últimos anos.
"Elogio" é outra Denise Stoklos, uma artista de grande público, de temporada, não de poucas apresentações, para poucos.
O que se vê em cena é grande disposição ao risco, ao erro. As cenas se sucedem como no teatro de revista, sem relação direta, algumas puro exercício de mímica, outras quadros musicais, outras declamações de poemas.
No elenco, Cida Moreyra é uma cantora, uma pianista e sobretudo uma presença cênica -e não por seu peso, apenas- gigantescas. É de se perguntar como ficou tanto tempo longe do teatro.
Piatã, o mais jovem dos filhos, é o que mostra inclinação para o palco. Tem a voz ainda tímida, a própria postura é tímida, mas a ironia, até um certo sarcasmo, é a mesma que garante o êxito cômico da mãe. Ele faz um "stand-up" -temerário até para experientes- dos mais razoáveis.
A filha, Thais, não tem a presença de espírito do irmão e está ainda mais intimidada. Mas consegue um momento de comédia física, com uma ação histriônica das mãos, no que é quase uma paródia da gestualização da mãe.
Por fim, Fábio Namatame, originalmente ligado ao "design" no teatro, surge com uma grande brincadeira em cima do butô, o gênero japonês -contido e por vezes travestido. Namatame é espantosamente engraçado.
Junto com "Elogio", a temporada de Stoklos traz "Des-Medéia", que ela montou no ano passado e que já está programada para o La Mama, em Nova York.
"Des-Medéia", no que tem de mais ligado ao mito, traz muito do humor popular, populista até, da melhor Denise Stoklos.
Ela tira duplo sentido de tudo, aproveitando para falar da política, dos anões do orçamento etc. É a atriz no que tem de mais próximo à sátira ingênua do circo.
Mas Medéia, que faz tudo por Jasão e depois é deixada por ele, é também usada como a metáfora da atriz diante do país.
Des-Medéia é Denise Stoklos, que não aceita a suposta desatenção do Brasil, ou de Jasão, com o seu teatro. E passa o tempo todo ameaçando ir embora. É o rancor, o pior de Denise Stoklos.

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