São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995
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Pela cidadania dos homossexuais

JAIR MENEGUELLI

Primeiramente, gostaria de salientar a importância da discussão que a sociedade brasileira trava em torno da homossexualidade e da união civil de homossexuais. Isso demonstra que a sociedade brasileira avança em direção ao respeito à individualidade.
Essa discussão ganhou corpo quando, na campanha eleitoral, os textos para a discussão da elaboração do programa de governo do Lula apresentaram a proposta de legalização da união entre homossexuais. Posteriormente tivemos a fundação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis e a realização da Conferência Internacional de Gays e Lésbicas no Rio de Janeiro.
A partir desse momento a deputada Marta Suplicy apresentou a proposta de projeto de lei que disporia sobre a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo. Concomitantemente, vários programas de televisão e artigos em jornais começaram a divulgar o tema.
O debate já está ocorrendo com bastante intensidade no campo social. Agora, com a apresentação do projeto na Câmara dos Deputados, o debate invade o campo político/jurídico. Um problema nessa discussão é a transposição de argumentos do campo religioso (fé e moral) para o campo político/jurídico. Essa atitude mais confunde do que esclarece.
A Constituição, em seu artigo 19, determina a separação entre Estado e igreja. Concordo que as igrejas exijam de seus fiéis o respeito aos seus dogmas. Contudo, querer impor esses dogmas à toda sociedade considero um equívoco. Temos de ter claro que nossa sociedade é plural e que essa realidade deve ser respeitada. Ajo dessa forma com minhas filhas. Não exijo delas que sigam esta ou aquela orientação.
Deve-se salientar que a heterossexualidade não é a única orientação sexual existente. A homossexualidade existe. É fato. Podemos lembrar a pesquisa publicada recentemente na Folha onde se apontava a possibilidade de a homossexualidade ter relação com a genética.
Sabendo de sua existência, não consigo aceitar que o Estado interfira na vida privada do cidadão. Não pode impedir que uma pessoa que tem as mesmas obrigações, que paga os mesmos impostos, tenha os mesmos direitos.
O projeto apresentado pela companheira não propõe, como alguns pretendem fazer crer, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa instituição tem um status superior ligado à religião e à procriação. A união civil visa possibilitar que elas firmem entre si um contrato com direitos e deveres recíprocos.
Pretende evitar situações que têm ocorrido com frequência, como dois indivíduos que vivem vários anos juntos e constroem um patrimônio não terem, na morte de um deles, acesso aos bens. A família que pouco contribuiu aparece e fica com tudo. Poderiam alegar que existe a possibilidade do testamento. Quantos heterossexuais já fizeram testamento? E, nesse caso, somente 50% dos bens teriam disponibilidade.
Defendo essa proposta por entender que devemos buscar trazer o maior número de pessoas para a cidadania, entendida como um conjunto de direitos que não podem ser garantidos pela metade. É o direito ao emprego, salário, saúde, educação, moradia, liberdade de opinião e orientação sexual. Mais me preocupa se a tese da genética estiver certa. Trataremos o homossexual com a mesma discriminação com que tratamos os negros, índios ou judeus?

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