São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995
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O legislador diante do fato

PINHEIRO LANDIM

Li com atenção o projeto de lei da nobre deputada Marta Suplicy e com ele concordo em termos. Entendo que é responsabilidade do legislador intervir na realidade dos fatos para garantir ou assegurar direitos no sentido de avançar para uma sociedade justa e igualitária.
A ninguém mais é dado o direito de desconhecer a parcela significativa de pessoas que buscam a felicidade em relações com o mesmo sexo. O comércio, o turismo e a indústria de serviços -e a imprensa tem noticiado isso com frequência- já se organizam para oferecer opções de consumo a esse público que é cada dia mais numeroso.
São pessoas inseridas em todos os grupos sociais, com as respectivas responsabilidades, com os deveres inerentes, cuja única diferença está no exercício da sua sexualidade. Se são iguais para outros fins, por que, então, perpetuar uma discriminação no que tange a direitos? Entendo que o debate e a aprovação da matéria ensejarão uma mudança de mentalidade, com o reconhecimento de que a opção sexual não é fator determinante de caráter e muito menos de anomalia social.
Sou de uma região com costumes conservadores bem arraigados e, a princípio, recebi com estranheza a proposta. Não querendo cair no lugar comum do "não vi, não gostei", procurei conhecê-la além do que a mídia vinha noticiando. Por isso defendo que a discussão não deva ser "passionalizada". O projeto de lei não está legalizando o casamento entre pessoas do mesmo sexo, com o que eu não concordaria.
O casamento pressupõe outros vínculos, sobretudo ideológicos e espirituais. A matéria está assegurando o reconhecimento da união civil entre duas pessoas do mesmo sexo, com regras bem claras quanto à definição de direitos. O direito à herança, ao patrimônio construído em parceria, ao benefício previdenciário. É principalmente uma questão de justiça.
O Estado democrático que preconiza nossa Constituição, onde todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza, assegurado o livre exercício de credos religiosos, políticos e ideológicos, impõe o aprendizado da convivência e do respeito às opções sexuais diferenciadas, mesmo que não se concorde ou por elas se opte.
Nesse sentido considero a iniciativa da nobre deputada corajosa e oportuna e será, sem dúvida, um instrumento de combate ao preconceito, oxalá possibilitando uma maior aceitação por parte de todos de cada um viver plenamente sua sexualidade. Com isso estaremos construindo uma sociedade com direitos e deveres garantidos e respeitados, portanto justa e igualitária. Não é demais lembrar que direitos de outros grupos, como negros, mulheres, concubinas etc., foram conquistados graças à coragem e ousadia de legisladores.

FRANCISCO PINHEIRO LANDIM, 51, é deputado federal pelo PMDB do Ceará, relator da Lei de Imprensa e membro da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados.

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