São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Garotas revivem rebeldia da fuga de casa

LÚCIA MARTINS; PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Adolescente, branca, moradora da zona leste. Esse é o perfil dos jovens paulistanos que fogem de casa movidos pelo desejo de aventura, insatisfação com os pais ou envolvimento com drogas.
As "aventuras", associadas a uma imagem de rebeldia, são rápidas: a maioria das fugitivas volta para casa em até seis dias.
A Folha chegou a esse perfil a partir de levantamento dos últimos 50 casos resolvidos pela Delegacia de Pessoas Desaparecidas.
Nas últimas duas semanas, quatro casos de adolescentes fugitivas tiveram repercussão na imprensa, três deles relacionados às drogas.
O mais trágico acabou na madrugada do último dia 22. Havia um mês fora de casa, Cristiane Gaidies, 20, viciada em crack, foi morta a tiros enquanto roubava um toca-fitas na região central.
Foi por causa de Cristiane que as mães de duas outras adolescentes procuraram os jornais para contar as fugas de suas filhas.
Doroti Carneiro e Maria Célia Bilotto procuram Suzana, 17, e Luciana, 15, (nomes fictícios), desaparecidas desde setembro. Elas descobriram que as filhas também estão envolvidas com drogas.
O quarto caso, publicado pela Folha na semana passada, não tinha nenhuma ligação com drogas.
Ana Elisa Costa, 14, viajou 2.933 km até Belém (PA), com apenas R$ 20, e voltou depois de seis dias. Até hoje não explicou por que fugiu. Diz apenas que "deu na louca" e que voltou depois que soube, por uma amiga, do sofrimento de seus pais.
A surpresa da família é comum em todas as fugas. Na maioria dos casos, o fugitivo revela uma vida paralela, completamente desconhecida dos pais.
"Sempre falávamos sobre drogas, mas como se fosse um problema externo, que nunca afetaria a nossa família. Eu jamais poderia imaginar...", diz a comerciante Doroti Carneiro, que proibia a filha de namorar e de sair à noite com as amigas.
Em famílias mais "liberais", a surpresa é a mesma. A mãe de Ana Elisa, a médica Maria de Lourdes Campos Costa, diz que "sempre deu liberdade total". "Ela podia sair para onde e com quem quisesse, desde que avisasse", conta.
O psiquiatra Álvaro Ancona de Faria, 30, afirma que a família personifica todos os valores que o adolescente quer contestar e transgredir. "Ele acha que pode tudo, que vai sair, dar um jeito e se dar bem", afirma Faria.
Só no ano passado, 16 mil pessoas desapareceram no Estado. Esse número inclui, além dos fugitivos, pessoas que foram para hospitais ou sofreram mortes violentas. Não há nenhuma estatística policial sobre as fugas.
"A maioria das meninas vai atrás de aventura, conhecer lugares novos. Aquelas histórias românticas, de amores proibidos, não acontecem mais", afirma o delegado Basílio Samofalov, titular da Delegacia de Pessoas Desaparecidas.
O delegado, que trabalha com uma equipe de apenas 12 policiais, diz que o número de fugas motivadas por drogas está aumentando desde a disseminação do crack.
"O viciado sai da esfera familiar no momento em que mais precisa de sua influência", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, 39, da Escola Paulista de Medicina. Segundo ele, esse pode ser um caminho sem volta. "Eles podem se envolver no tráfico para conseguir dinheiro."
Com ou sem drogas, as desaparecidas deixam marcas "teens" nos seus planos de fuga. Ana Elisa levou na mochila uma camiseta do "Paralamas". Sabrina Oliveira, 14, fugiu de patins. Suzana, 17, se despediu da mãe com um bilhete escrito em uma folha de caderno.

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Sobre os fugitivos das páginas 2 a 3

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