São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ana, 14, chegou em Belém com R$ 20

CHRISTIAN CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A estudante Ana Elisa Campos Costa, 14, não sabe dizer por que, sem avisar ninguém, saiu de casa, tomou um ônibus para Belém (Pará) e voltou seis dias depois.
"Deu na louca e fugi." Ana deixou o apartamento da família, um imóvel de três quartos no bairro de classe média de Pinheiros (zona oeste), na manhã do último dia 24, uma terça-feira.
Preparou tudo na noite do dia anterior. Pôs na mochila uma camiseta dos "Paralamas do Sucesso", outra "do Carlos" ("um amigo"), uma calça jeans, três saias, sandália, xampu e sabonete.
A cena foi presenciada pela japonesa Akiko, 17, hospedada na casa da família por meio de um intercâmbio cultural.
O relato dela fez com que os pais, Ronaldo e Lourdes, afastassem hipóteses como sequestro ou acidentes. Outras amigas garantiram a eles que ela não estava grávida nem envolvida com drogas.
"Pus as coisas na área de serviço e fui dormir", relata Ana. Na terça, levantou às 6h, tomou banho e se vestiu. Como sempre faz quando vai para o colégio -o Equipe, em Pinheiros, onde cursa o 1º ano do 2º grau-, despediu-se da mãe com um beijo. "Fiquei com pena, mas estava decidido."
Em vez do Equipe, Ana foi para o Terminal Rodoviário Tietê (zona norte) com R$ 20 no bolso, dinheiro que não pagava metade da passagem para Belém (a 2.933 km de São Paulo), onde nasceu e viveu oito anos.
No terminal, pediu dinheiro para comprar o bilhete. "Dizia que tinha sido assaltada, precisava viajar..." Em pouco mais de três horas juntou R$ 5 a mais do que os R$ 82 necessários.
Durante a viagem, lia o livro "Anos Rebeldes", de Dias Gomes. A personagem preferida? "Heloísa, claro", a menina rica, vivida na TV pela atriz Cláudia Abreu, que morre na luta armada contra o regime militar.
Em toda viagem, Ana pediu dinheiro a estranhos. "Quase nem gastei. Fiz amizades e as pessoas pagavam as coisas para mim."
Chegou a Belém ao meio-dia de quarta-feira. Hospedou-se no único hotel com "cara de barato": o Nazaré Palace, no centro. Conta que subiu para o quarto e chamou uma amiga de primário em Belém.
Fez com que essa amiga ligasse para São Paulo, sem revelar aos seus pais onde estava.
"Ela telefonou e disse que meus pais estavam muito preocupados e era melhor eu voltar." Deixou Belém no sábado, chegando em casa na última segunda. A amiga pagou a conta e a passagem. Ana diz que até então não havia se arrependido.
"Pensava em ficar até mais tempo do que fiquei." Hoje, diz ter sido "egoísta". "Devia pensar mais nos outros, nos meus pais."

Texto Anterior: Garotas revivem rebeldia da fuga de casa
Próximo Texto: Colombiana foge para acompanhar circo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.