São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Filha some e pai descobre mundo da droga

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa tarde de sexta-feira, há dois meses e meio, a comerciante Doroti Júlio Carneiro, 40, recebeu um telefonema anônimo dizendo que sua filha Suzana, 17, faltava às aulas pelo menos três vezes por semana para comprar cocaína em uma favela na zona leste.
A mãe não acreditou. Na manhã seguinte, Suzana (nome fictício) saiu de casa só com a roupa do corpo e nunca mais voltou.
A fuga revelou para a família Carneiro um mundo paralelo, que, para eles, só existia muito longe do sobrado onde moram, na Penha (zona leste).
Sua filha caçula passou de garota exemplar -que não namora, não bebe e nem sai à noite sozinha- a adolescente viciada em cocaína e envolvida com traficantes. "Até agora, não consigo entender o que aconteceu", afirma Doroti.
Eles nunca suspeitaram do vício de Suzana. O pai não permitia nem namorados. "Você tem que estudar, se formar, não precisa casar cedo", dizia sempre.
Os cuidados com ela eram tantos que a família chegava a acompanhar a garota todos os dias até a porta do colégio, uma escola pública no Tatuapé (zona leste).
Teria sido lá, segundo a mãe, que ela começou a consumir cocaína. "Ela pulava o muro para fugir da escola. Descobrimos que ela ia até uma favela em Sapopemba (zona leste) para comprar drogas", conta.
Suzana não admitiu para a mãe seu envolvimento com a cocaína. Após horas de conversa, ela e os pais chegaram à conclusão de que o melhor seria transferí-la da escola. Não houve tempo.
Junto com ela, foi a amiga Luciana (nome fictício), que passou o aniversário de 15 anos nas ruas. A mãe de Luciana, Maria Célia Bilotto, 44, não acreditou que a filha tivesse deixado sua casa até completar dois dias de fuga.
"Tinha convicção que ela tinha ido para a casa de alguma amiga, com medo da represália do pai depois que descobrimos que ela estava envolvida com drogas", conta.
Maria também nunca imaginou que a filha passasse tanto tempo fora de casa. "Já fui até em psicólogos para saber o que deveria fazer quando ela voltasse", disse.
A rotina das famílias agora é procurar as garotas até alta madrugada, em bares, danceterias e locais com concentração de jovens.
"Achei que, aos 40 anos, fosse uma mulher experiente, calejada, mas nesses dois meses, aprendi e conheci coisas que nem imaginava que existissem", disse Doroti.
Tanto ela quanto Maria afirmam que, após essa experiência, descobriram que não sabem como agir com seus filhos.
"Meu filho resolveu sair da escola para nos ajudar no trabalho. Ele começou a comprar mil coisas para o carro. Eu e meu marido resolvemos deixar que ele fizesse tudo. Não sabemos se estamos certos, mas vamos tentar ser diferentes com ele", afirmou Doroti.
"Mudou toda a estrutura da nossa casa, o horário de comer, de tomar banho, de tudo", afirma.

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