São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Desenvolvimento insustentável

HENRIQUE RATTNER

Muito se tem escrito e falado, particularmente após a CNUMAD-92 do Rio, sobre o desenvolvimento sustentável como panacéia para os problemas das sociedades contemporâneas. Os próprios cientistas e políticos, todavia, não estão de acordo sobre o significado exato do conceito, para o qual existem dezenas de definições.
Sustentável ou sustentado transmite a idéia de "durável" (como o traduzem os franceses) por longos ou infinitos períodos de tempo. Seriam, então, a viabilidade econômica dos projetos e programas ou a justiça social na distribuição dos seus resultados, acompanhada pela conservação e proteção dos recursos naturais e do meio ambiente, critérios válidos?
À parte as dificuldades de atender esses três critérios na execução de projetos e desenvolvimento, haveria de se considerar também a equidade intergeracional, ou seja, a nossa obrigação de não gastar o capital natural herdado e, assim, empobrecer o patrimônio das gerações futuras.
Mas, se essa consideração for levada a sério, como justificar a omissão total dos atuais governantes quanto à equidade intrageracional, ou seja, o atendimento, pelo menos, das necessidades básicas da população atual, face à massa de desempregados, desabrigados, alienados, deserdados e errantes, em número sempre crescente?
Por que postergar o princípio básico de uma qualidade de vida decente para todos para um futuro distante e nebuloso, somente após a concretização de um crescimento econômico com altas taxas? O que garante a repartição do "bolo" (se sobrar!) posteriormente?
As evidências históricas apontam a falácia do raciocínio que relaciona casualmente o crescimento econômico rápido, mesmo por períodos prolongados, com a emergência e o fortalecimento da "boa" sociedade.
Analisados sob alguns critérios de qualidade de vida, economias de rápido crescimento econômico -Tailândia, Indonésia, Coréia do Sul, bem como o Brasil e o México- não podem ser consideradas exemplos de virtude quanto ao respeito e à proteção dos direitos de crianças, mulheres, trabalhadores ou minorias.
Verifica-se, por todos os quadrantes e de forma persistente, que o crescimento econômico, ainda que considerado condição necessária, não seria suficiente para conduzir-nos a uma sociedade mais harmoniosa, equitativa e, portanto, sustentável.
A inferência lógica desse raciocínio postula a inadequação das políticas atuais praticadas por governos, legitimadas pela meta do "desenvolvimento". No passado, distante e também recente, essas políticas têm produzido custos sociais e ambientais ocultos e transferidos ou externalizados.
Para enfrentar os inúmeros problemas e desafios assim criados (os reatores nucleares de Tchernobyl; a poluição e o caos total de transporte nas áreas metropolitanas; a contaminação das bacias hidrográficas por agrotóxicos e resíduos das indústrias petroquímicas, de celulose, aço, plásticos etc.; a erosão dos solos e o desmatamento de florestas nativas), os governos se vêem na obrigação de obter recursos adicionais muito acima de suas receitas fiscais normais, recorrendo ora a empréstimos e financiamentos externos, com reflexos negativos nos balanços de pagamentos e nas taxas de juros, ou fazendo funcionar as impressoras da Casa da Moeda, alimentando as pressões inflacionárias.
A perda de paridade da moeda nacional, associada à de credibilidade do governo quanto à sua capacidade de resgatar as dívidas externa e interna (nem se fala da dívida social irrecuperável!), leva ao entesouramento e à fuga de capitais.
A consequente queda de investimentos, coincidindo com a abertura do mercado para a importação irrestrita de bens e serviços do exterior e a pressão sobre as empresas para introduzir tecnologias poupadoras de mão-de-obra, inevitavelmente tende a agravar a recessão econômica e a crise social, que assume proporções alarmantes e escapa ao controle do Estado, como demonstram, entre outros, a invasão de terras, a pauperização, os conflitos e a violência urbanos que crescem proporcionalmente ao aumento do número de "agentes de segurança" particulares.
Segue um clamor generalizado para a retomada do "crescimento", que, quando estimulado por recursos externos especulativos e extremamente voláteis, devido ao próprio padrão de acumulação em escala global, não é capaz de surtir efeitos positivos "duráveis" ou sustentáveis. Simplesmente, reincide nos ou reforça os vícios das fases anteriores, continuando a gerar e transferir custos sociais e ambientais...
Como romper esse círculo vicioso? Voltaremos ao assunto em outro artigo.

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