São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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A tesão do governo federal

OSIRIS LOPES FILHO

A tesão arrecadatória do governo federal, formulada de forma oportunista, vai prosseguindo aos trancos e barrancos, no Congresso. Não há mais a velocidade supersônica da aprovação das emendas constitucionais, apresentadas no início do primeiro semestre.
Deu-se um freio no ímpeto revisionista, que, se continuasse sua trajetória vitoriosa, desmontaria a "Constituição Cidadã", de que tanto se orgulhou Ulysses Guimarães.
Na matéria tributária, o governo federal atua como o conquistador barato em ação na avenida Paulista. Acossa cada mulher que passa. Não lhe importam as rejeições e foras. O espírito da coisa é tentar, pois alguém cairá na conversa. Em suma, "passar a cantada, e, se pegar, pegou".
Alguma alma pudica pode considerar demasiado forte, chulo, denominar a voracidade, a cupidez, o apetite leonino do governo federal, de tesão. É o termo adequado diante da pornografia e indecência das propostas governamentais em tramitação no Congresso Nacional.
O conjunto das propostas, aparentemente, é anárquico. Há de tudo. É a filosofia do "se colar, colou". Propõe-se uma emenda do sistema tributário, que destroça a Federação e eleva a já absurda carga tributária do povo. Há outra emenda, aprovada no Senado, que cria a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, tributo embalado em fim altruístico, de efeitos perversos. No Imposto de Renda da pessoa jurídica, foi apresentado projeto de lei de mais de 30 artigos, menos de nove meses depois de aprovada lei de conversão de 117 artigos sobre o mesmo imposto. A inconstância nessa matéria tem caráter abortivo.
Outra proposta é a da prorrogação por quatro anos do Fundo Social de Emergência. Corrige-se, agora, o nome: Fundo de Estabilização Fiscal. Sua denominação foi e é um escárnio. Desestabilizou as finanças estaduais e municipais.
Há um cinismo explícito nessa proposta. Ela sangra a Federação. Tem razão o presidente Sarney ao considerá-la inconstitucional. Ela subverte o federalismo fiscal estabelecido na Constituição de 1988, baseado não só na atribuição de competências tributárias potentes aos entes federados, mas também na partilha da arrecadação federal, por meio dos fundos de participação. E ainda espolia as fontes de financiamento da seguridade social.
A regra usurpadora mais violenta é a de afetar a esse fundo 20% da arrecadação de todos os impostos e contribuições da União (aí incluídas as relativas à seguridade social), deprimindo a base das destinações e vinculações estabelecidas pela Constituição.
Isso evidentemente conflita com a estrutura de nossa Federação, já que os Estados e municípios, menos desenvolvidos, portanto, sem suficiente base tributária, dependem, para sobreviver, dos recursos transferidos pelo sistema de partilha constitucional, já que sua receita própria é insuficiente para atender seus encargos. Viola-se, pela prorrogação do fundo, a cláusula pétrea da Federação.
Além disso, é difícil explicar, estando os Estados quebrados financeiramente, o corte dos recursos de que necessitam. A alternativa compensatória eleita, para sustentar a excitação federal, é bater no servidor público, eleito bode expiatório. Demiti-lo, como panacéia para eliminar o "déficit" público.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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