São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Volta faz ressurgir sonho alviverde do tri

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A volta costuma ser encarada como uma espécie de renascimento, que traz consigo a idéia de purificação. Quem volta, pois, volta melhor do que quando partiu. Mas, para mim, a volta sempre se associou a uma imagem recorrente, congelada na infância: Fredrich March, sob a neve impiedosa, espia pela janela de sua casa a mulher e os filhos celebrando a noite de Natal, na cena final do clássico "A Morte do Caixeiro Viajante".
Em seu rosto vincado, estampa-se todo o drama do homem que abandonou o lar seguro e tedioso, em busca da felicidade que, ao longo das estradas, fragmentou-se nos retalhos de frustrações que ele carrega na mala de vendedor ambulante. Fredrich parte na noite branca, e eu acabo aqui este melodrama para cair na real.
Wanderley Luxemburgo volta esta noite a dirigir o Palmeiras, no jogo contra o Atlético-MG, e com ele renascem as esperanças verdes do retorno aos bons e recentes tempos de conquistas. Afinal, não foi com Luxemburgo que o Palmeiras ganhou o bi paulista, o bi brasileiro e outros quebrados? Então? Por que não estaria fadado a oferecer também o tri brasileiro?
É possível, claro. Mesmo porque trata-se de um treinador competente, e esse elenco palmeirense é de primeira linha. Além do mais, o time está em situação privilegiada no certame. Por fim, parece que entre Luxemburgo e o Palmeiras formou-se uma química especial, que acaba dando em bom resultado.
Mas é esse malfadado tri que me faz desconfiar do êxito imediato da volta de Luxemburgo. Essas três letrinhas carregam como que uma maldição, pelo menos no Brasil. É bem verdade que o Palmeiras, ou melhor, o Palestra, lá pelos anos 30, conseguiu. Assim como o Corinthians, no final dessa mesma década. E o Santos de Pelé? Foi duas vezes tri nos anos 60. Raras exceções, convenhamos.
E não se trata de nenhum sortilégio. É que três anos de convivência diária parecem ser o limite da tolerância entre jogadores, técnico e dirigentes de um mesmo clube, sobretudo num futebol caótico como o nosso, onde não há espaço para que os protagonistas dessa novela interminável tenham nem sequer tempo de respirar, quanto mais exercer a sua intimidade.
É o caso extremo de Telê, cujo rosto vincado mais ainda se assemelha ao de Fredrich March. Depois de cinco anos de Morumbi, percebeu amargamente que até o som de sua voz de comando tinha efeito contrário sobre seus comandados. Decidiu, então, sair do campo e subir às arquibancadas, de onde fica espiando suas esperanças se fragmentarem em frustrações lá no gramado. E, para Telê, tudo começou a desabar exatamente no limite do tri.
Como dizia o poeta, a arte do desencontro é não saber quando voltar.

Por falar em cinema, Giovanni de óculos escuros, na janelinha do ônibus, acenando um "Deixem-me a sós", como uma Greta Garbo da Baixada, convenhamos, é dose.

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