São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Estrelas do tênis fazem batalha de estilos

MARTIN AMIS
ESPECIAL PARA A "NEW YORKER"

No mês de junho, em Roland Garros, o "especialista" em quadras de saibro austríaco Thomas Muster trilhou devidamente seu caminho para a vitória no Aberto da França de tênis.
Depois disso, em vez de iniciar sua preparação para Wimbledon e, então, jogar em Wimbledon (principal torneio do mundo) e tentar vencer também aquele torneio para fazer história, Muster foi para casa. E deu-se ao trabalho de indicar que nem veria Wimbledon pela televisão. Seu aparelho estava quebrado, disse, e ele não estava a fim de consertá-lo.
Talvez Muster tenha ido mais longe. Talvez tenha desligado o rádio e banido todos os jornais. Talvez tenha construído uma pequena unidade de privação dos sentidos (feita de argila) na qual, durante a quinzena de Wimbledon, pôde encontrar o repouso.
Aqui em Londres, os morangos com creme (sobremesa típica de Wimbledon) se transformaram em cinzas. O raciocínio de Muster era evidente. Wimbledon é disputado na grama e Muster não está interessado em grama.
Poderíamos retrucar que Wimbledon também não gosta muito de Muster: em quatro visitas, ele nunca venceu um jogo aqui.
Esse desamor, entretanto, é mais generalizado. A cada ano fica mais evidente que Wimbledon, historicamente o príncipe dos quatro torneios do Grand Slam, está se tornando um dinossauro.
Disseram-nos que seria mais sábio agora escavar aquela relva consagrada e instalar uma superfície mais moderna e menos aborrecida. Ou os astros de Roland Garros (sede do Aberto da França), que viajam todos os anos à América e à Austrália, nem cruzarão o Canal para Wimbledon.
Roland Garros é para os puristas, os artistas, os filósofos. Wimbledon é para os excêntricos. Tal antítese pode ter feito muito sentido há dez anos, ou até há cinco. Mas as coisas mudaram e parece ser cada vez mais claro que elas estão agora na direção oposta.
Até 1974 e 1987, respectivamente, o Aberto dos EUA e o da Austrália eram disputados na grama. Agora, o são numa superfície intermediária e os desafios peculiares que esses torneios representam não são mais técnicos do que atmosféricos: em Melbourne, o calor; em Nova York, a multidão.
Há especialistas em saibro, mas não em calor. E não existem especialistas em multidões, agora que Jimmy Connors pendurou, mais ou menos, o calção. E não há especialistas em grama -não mais-, pois a temporada de torneios de grama é compacta demais para sustentá-los. A única especialidade, atualmente, é o saibro.
O último homem a vencer os quatro principais torneios em sua carreira foi Rod Laver, em 1969.
Na primavera passada, foram para Roland Garros quatro tenistas -Andre Agassi, Boris Becker, Pete Sampras e Stefan Edberg- que tinham a chance de ganhar os quatro. Tudo de que precisavam era o Aberto da França.
Pisando a grama um mês depois, apenas um jogador estava na mesma posição em relação a Wimbledon: o semi-aposentado Mats Wilander. Desde 1989, o Aberto da França foi vencido por Michael Chang, Andrés Gómez, Jim Courier (duas vezes), Sergi Bruguera (duas vezes) e Thomas Muster; se excluirmos tal torneio, esses tenistas têm duas conquistas de Grand Slam, somados.
Desde 1989, Wimbledon teve como vencedores Becker, Edberg, Stich, Agassi e Sampras (três vezes); tirando Wimbledon, eles têm 11 conquistas de Grand Slam. É suficientemente claro, não?
Wimbledon é "mainstream". Roland Garros -saibro- está se tornando um feudo.
Considere o estranho caso de Alberto Berasategui. Em 94, seus brilhantes resultados no saibro o catapultaram para um dos oito melhores postos. Em compensação, estrebuchou no circuito IBM/ATP (em piso rápido), onde venceu só oito games em três partidas.
Mas sejamos magnânimos e rendamos graças a Thomas Monstro, ou melhor, Thomas Muster. Pois trata-se de um personagem prodigioso.
Faz seis anos, em um estacionamento da Flórida, Muster foi atropelado por um motorista bêbado e feriu-se terrivelmente. Passou, então, pelo tipo de programa de reabilitação que se vê em filmes "baseados" em histórias reais.
Antes mesmo do acidente -antes de se tornar um ícone da "Vontade de Ferro"-, havia algo assustador no jogo de Muster. Assistindo a um lance típico de Muster -saque, ficar no fundo, bater, bater, voltar, bater, voltar, voltar, bater, bater, voltar, voltar, voltar, bater, bater, bater- e percebendo sua "dedicação", uma comentarista caiu na gargalhada e disse apenas: "O homem é um animal".
Bem, em Roland Garros, este ano, faltaram animais com que compará-lo. Muster joga como Chang (seu adversário na final: Bruce Lee contra Dolph Lundgren), mas com uma rebatida muito mais poderosa.
Ele lembra Jim Courier -o Courier de 1992, que tomou conta das quadras de saibro da Europa e manteve seu título na França com a condescendência de um lorde que retorna. Assim como Muster, Courier é um jogador de Vontade; e a Vontade pode fraquejar (ter Vontade é esgotante).
É sempre divertido assistir a Muster e ouvi-lo. Ele joga como um elefante selvagem, mas soa como Tarzã de cipó em cipó. Há algo muito humano -muito honesto e inocente- em seu ulular.
Sentado frente à TV com um cinzeiro no colo, assistindo a Muster e calculando minhas chances contra ele, às vezes sinto que seus uivos tarzânicos ajudariam minha causa.
Esses relinchos mostram exatamente o quanto está em dificuldade. Ainda assim, nenhum dos outros caras parece ganhar ânimo. Esse "fanático da boa forma" é conhecido pelos seus regimes duros; na quadra, talvez, seus gemidos soem como triunfos prussianos ou higiene corporal -um hino trombeteado aos laxantes, aos cereais e ao nudismo.
Em entrevistas pós-jogo, ele é apressado e acanhado. Você sente que ele está louco para fazer outra coisa, como plantar bananeira com a cabeça ou comer um pneu de automóvel. Seu comportamento parece dizer: sou um atleta que, por acaso, escolheu o tênis; podia ter sido o lançamento do disco ou a marcha de 50 km.
Wimbledon tem há algum tempo a paranóia de se achar maçante.
Este ano, resolveu agir. A preocupação se referia à brevidade dos pontos: quando os homens jogam, a bola fica em jogo menos de 5 minutos em 1 hora -contra 15 no Aberto da França.
E a solução parecia óbvia: diminuir o predomínio e a força do saque. Mas o que fazer? Abolir o segundo serviço? Obrigar o sacador a manter os pés no chão? Aproximar da rede a linha de saque?
No fim, Wimbledon optou por uma correção invisível: cautelosamente, esvaziou as bolas de tênis.
E isso não fez diferença alguma. No fim da quinzena, os saques de Sampras ricocheteavam irrespondivelmente na cal. E Goran Ivanisevic (croata, melhor sacador do mundo), aparentemente indiferente à presença de seu oponente, ainda pôde fechar em 50 segundos um game em que possuía o serviço.
Mas foi um grande Wimbledon, de qualquer maneira, porque o jogo na grama já havia sido transformado: por Andre Agassi.
Na final do Aberto dos EUA de 91, no cimento de médio para rápido, Edberg bateu Courier por 6/2, 6/4 e 6/0. Assistindo a Edberg no último set, podia-se apenas concluir o seguinte: o jogador de fundo fica indefeso quando o de voleio está "ligado".
Na final do mesmo torneio, três anos depois, Agassi bateu Michael Stich, 6/1, 7/6 e 7/5. Assistindo a Agassi naquele dia, só se poderia concluir o seguinte: um jogador de voleio fica indefeso quando o de fundo é Agassi.
Em fevereiro de 94, Agassi era ranqueado como número 32. Agora, ele é o número 1 no mundo. O que aconteceu com ele?
Muito tem-se atribuído ao treinamento e aconselhamento de Brad Gilbert. Até então, Gilbert não era conhecido como um sinônimo de inspiração.
Esgotado pelo magro repertório de golpes e zombarias de Gilbert, John McEnroe (norte-americano, quatro anos como número 1 do ranking mundial) passava por depressão profissional. Você pensa seriamente no futuro, refletiu McEnroe, quando "começa a perder para os Brad Gilberts da vida".
Gilbert é co-autor de um guia autobiográfico francamente intitulado "Vencendo feio". Naturalmente, comprei um exemplar, esperando que fornecesse a peça final de meu quebra-cabeça. Eu posso fazer a parte feia; o que queria era a Vitória.
Gilbert o aconselha, por exemplo, a dar a seu oponente o serviço quando você vence o cara-ou-coroa. Para você se livrar da pressão, já que não mais se espera que vença o primeiro game.
Experimentei-o por certo tempo. E percebi que fiquei tão ocupado regurgitando de astúcia que quase não notei que perdera os oito primeiros pontos. Parece estranho que Andre Agassi tenha extraído muito de "Vencendo feio". Mas Gilbert transformou-o.
Porque Agassi é algo novo, algo mais no tênis. Sempre parece não estar batendo de um lado ou de outro, como os outros: ele bate em semi-voleios, com improvável noção de tempo e força imbatível.
Fazê-lo nas quadras duras norte-americanas, em que a bola quica, é, pelo menos, possível. Fazê-lo no baixo, imperfeito e desigual quique da grama é, obviamente, impossível. Mas é o que Agassi faz. E, se os olhos dele são de espécie fenomenal, também o são seus pés.
Seu trabalho de pés é mínimo, irrisório. Pode se dar ao luxo de ser assim, pois seu poder de antecipação está fora da escala humana. Algumas vezes, misteriosamente, não se mexe. Isto acontece quando ele está próxima à rede, esperando um "lob" fraco. Não mexe um músculo, não dá um passo. Nem o tênis guincha, denotando uma sintonia fina no posicionamento. Ele sabe, de antemão, que já está onde deveria estar.
Solitário, Agassi trouxe de volta a Wimbledon um espetáculo que desapareceu há 15 anos, entre raquetes de madeiras e costeletas. Quando ele ganhou em 92, ele tinha uma arma de que nunca mais disporia novamente: a capacidade de surpreender.
Seus oponentes (e aí se incluem Becker, McEnroe e Ivanisevic) subiam à rede. De forma compreensível, estavam achando "Por Cristo, isto é grama"; você ganha na grama avançando. Mas Agassi devolvia forte quando eles serviam. E ele os deixava no contrapé.
E, se eles faziam o serviço entrar, ele conseguia passar, ou dar um "lob", de modo dissimulado. Eles sabem disso agora. E sabem também que correr de um lado para o outro, no lugar de forçar as bolas na rede, é a opção.
Este ano, a troca de bolas de fundo na grama foi revelada em toda sua esquecida e negligenciada beleza, como uma pintura a óleo sob um descascado de acrílico. Os jogadores de branco flutuam sob o severo retângulo verde. Na quadra, algumas vezes, os dois duelistas correm entre os juízes de linha para hastear "lobs" ao céu.
Na grama, os jogadores não se apóiam em táticas, mas no instinto. Se tênis no saibro é xadrez, tênis na grama é xadrez rápido. Chang x Petr Korda, Agassi x David Wheaton, Becker x Cedric Pioline, Agassi x Becker: encontros que pareciam tão puros que as identidades dos jogadores se evaporavam.
Em todos os sentidos, Agassi é "grande". Wimbledon lhe deve uma estátua. Mas deixemos claro o que ele é e o que não é. Ele é pós-moderno e sui generis, articulado e esportista, um atacante sem precedentes no tênis. Ele não é um sólido, perfeito jogador de quadras rápidas. Como Pete Sampras é.
Sampras fez história este ano com sua terceira vitória sucessiva, imitando Bjorn Borg (e Fred Perry, ou quem mais. Se for relevante. História tem seu lugar, mas não podemos concordar em esquecer tudo o que aconteceu no tênis antes, digamos, de 1950? Certamente, é perda de tempo comparar um jogador como Thomas Muster com algum quarentão charmoso e fumante, de calças compridas). Talvez por sua eficiência em quadra, sua falta de fraquezas, Sampras é visto como alguém que deve algo no "departamento da personalidade".
Ele pode consertar isso, e rapidamente, se quiser. Adquirir personalidade é uma tarefa simples: basta agir como um palhaço.
Além disso, Sampras me pareceu, neste ano, um valentão perto de seus colegas, que pareciam estar obedecendo aos versos de Rudyard Kipling que adornam a entrada da quadra central:
"Se você encontrar o Triunfo ou o Desastre, trate esses dois impostores do mesmo modo".
Desde quando um jogador do tênis moderno trata o "Triunfo" como um impostor? Ivanisevic, durante seu tenso tie-break do segundo set contra Kafelnikov, saracoteava entre os pontos como um setentão ignorando a namorada em um piquenique. Então ele perdeu um voleio e quebrou a raquete. Você não deve parecer agradecido quando consegue um bom golpe; você deve mostrar arrogância.
Deve haver um meio mais feliz -ou menos medíocre-, e Sampras parece tê-lo encontrado. Ele sorri, se zanga, lamenta a bola que quase entrou. Sampras se ajusta à sua maestria, seu adversário some e ele compete, então, contra si.
Becker tentou ser arrogante, mas só conseguiu isso nas primeiras rodadas. Ele parecia autêntico e quase reassumiu as "bananas" depois de passar por Agassi. E, na final, ficou parecido com Van Gogh em seus últimos momentos com um jogo completo de orelhas.
Sim, Becker estava repugnante mesmo quando venceu o tie-break no primeiro set. Acho que já sabia que não continuaria quebrando o serviço de Sampras o dia inteiro.
O jogo teve uma única dinâmica, inevitável. Foi-se a era Becker em Wimbledon. Sampras, ele disse, "é o dono da quadra central. Costumava ser minha, mas agora pertence a ele".

Texto Anterior: Equipes canadenses estréiam com vitória na temporada da NBA
Próximo Texto: Saiba quem é Martin Amis
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.