São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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Ecos na trilha das palavras

RÉGIS BONVICINO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Pé de Página" é a mais recente coletânea da poeta e ensaísta Laís Corrêa de Araujo. Laís é autora, por exemplo, do pioneiro e essencial "Murilo Mendes" (Editora Vozes, 1972) -até hoje um marco de recepção crítica da obra do poeta de Juiz de Fora. O novo livro, com 30 poemas, foi editado pelas Edições Nonada, que tem como "publisher" o artista gráfico e poeta Guilherme Mansur.
Chama a atenção em "Pé de Página" sua marcante voz feminina, que se dá não como circunstância "politicamente correta", mas como qualidade explorada pela poeta. Assim, na primeira parte, batizada de "Patrimônio Histórico", infância, juventude, maturidade e velhice são repassadas em poemas contundentes, às vezes, irônicos, às vezes, amargos.
No paradoxal "Debutante, a poeta escreve, tematizando sua "estréia" na vida social: "A estrutura/ a miopia/ a magreza/ (...)/ organdi branco/ babados e rendas/ onde ocultar-me." Há momentos especiais neste volume impresso em papel artesanal. Um deles é quando a poeta -inscrevendo-se no campo do corpóreo, em oposição a intelectualizações, diz, no texto intitulado "Maternidade": "Ser por eles/ em lugar deles/ apropriando-me deles/ confiscando-os/ Lágrimas e sussurros, para concluir, inconformada", "Condenada à/ metamorfose de meus embriões/ assisto, irada,/ a seu inflar-se de/ liberdade."
Poemas como este recuperam emoções primárias e instantâneas, além de oferecer versos fortes como "metamorfose de embriões". Nesta mesma direção se situa o explosivo "Exame Ginecológico: "Nunca pesquisei nos meus seios/ caroços endossos de dor/ Sempre os dei a beber/ leite e amor."
Esta carga de explosão está também presente na segunda metade da coletânea, nomeada "Ossos do Ofício. Leia-se "Sub Judice", paródia antiestetizante sobre a morte: "Os ossos sob a terra/ compõem um ideograma.
Esta capacidade de síntese, sem recair em vulgaridade ou facilidade, é um dos traços da poesia de Laís, que encontra um de seus momentos altos no "Em Vila Rica": "...O silêncio é sangue/ coagula iconiza cinzela/ estigmas/ O silêncio é de sinos/ lira sonetiza dulcora/arcádias.... Laís é dessas vozes, pela modernidade e densidade, que devem ser ouvidas."

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