São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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BC filantropo

Primeiro foi o rigor dos compulsórios, dos alertas para a necessidade de ajustes aos tempos de inflação baixa, das pressões pela privatização de bancos estaduais e da liquidação de pequenas instituições inviáveis. Foi uma fase xiita do Banco Central ou se tratava de políticas equivocadas e irrealistas?
Essas dúvidas são ainda mais pertinentes agora que o governo federal e o BC recuam diante da necessidade de privatização, tergiversam na intervenção do Econômico, injetam recursos no sistema bancário e, momento ainda mais comovente de filantropia financeira, dispõem-se a encontrar meios para estimular, por meio de incentivos fiscais, as fusões e incorporações de instituições financeiras.
O ministro Malan dá um toque cosmopolita a mais essa tentativa de colocar o Tesouro Nacional a serviço dos interesses da ciranda financeira lembrando que processos de fusão ocorrem hoje em dia nos EUA, Argentina e Japão.
O ministro tem razão, em parte: de fato, os sistemas bancários de todo o mundo passam hoje por processos de reestruturação. Discutível, entretanto, é criar mecanismos que implicam renúncia fiscal para amparar essas mudanças.
A economia brasileira abriu-se, o real valorizou-se, os juros foram aonde estão: por acaso veio o governo em socorro de indústrias, empresas ou consumidores inadimplentes, com subsídios ou isenção fiscal? Ao contrário, o governo apenas pede, a todos, mais tributos.
A própria ciranda em que gira no curtíssimo prazo a monumental dívida pública brasileira constitui já uma transferência de renda para o sistema bancário. E os custos dessa dívida impactam sobre o mesmo Tesouro que o BC, tão generosamente, quer novamente colocar à disposição dos bancos.
Não se trata de negar os problemas sistêmicos que afligem os bancos brasileiros. A perda de lucratividade, com a inflação baixa, levou algumas instituições a aumentar o volume de empréstimos à custa da qualidade das operações.
Cabe ao Banco Central regulamentar e ordenar o ajuste ao novo ambiente, responsabilidade aliás de que não quis ou não soube desincumbir-se antes. Querer compensar agora, ao mesmo tempo, a sua ineficiência e a de bancos em dificuldades é o mesmo que pretender fazer caridade com dinheiro alheio.

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