São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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dom rafael, o venturoso

RICARDO KOTSCHO

É louco pelos seus Faróis do Saber, bibliotecas erguidas junto às escolas públicas. Democratizar a cultura para repartir o conhecimento é a base do seu governo, que resume numa frase: "Igualdade de oportunidades para todos". E justifica: "Nosso povo não pode continuar condenado a ser flanelinha dos computadores dos outros".
No caminho até o Passeio Público, ele mostra o que já fez para transformar os sonhos de palanque em realidade. Salvou a casa centenária da União Paranaense dos Estudantes para instalar uma cinemateca.
Odorico Paraguassu
Logo ali, sem medo de ser chamado de Odorico Paraguassu (de "O Bem Amado", novela de 1973), carrega nas exclamações ao falar da reforma no cemitério São Francisco de Paula.
"Ficou bonito! Tem até computador para localizar os jazigos! Construí três capelas muito dignas. Até porta de cemitério tem que ser bonita! Já dizia Vitrúvio, o grande urbanista romano, nosso inspirador no Ippuc, que a cidade tem três funções: firmeza, utilidade e beleza." Ippuc é o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba -a sigla mágica que faz a diferença entre esta e as outras cidades brasileiras. Em dezembro, esta inesgotável usina de sacadas urbanísticas fará 30 anos. A história: vencedor de uma concorrência para elaborar o Plano Diretor de Curitiba, o arquiteto Jorge Wilheim montou uma equipe multidisciplinar em torno de um então jovem talento chamado Jaime Lerner. Entra governo, sai governo, a equipe nunca mais se dissolveu. O que explica o binômio planejamento-continuidade administrativa que está na base do sucesso de Curitiba (antiga Vila de Nossa Senhora da Luz e do Bom Jesus dos Pinhais, erguida por imigrantes europeus). Dos 220 funcionários, 50 professores pardais dedicam-se só à criação. Nesse ninho, Lerner e Greca recrutaram a maioria dos secretários e assessores -uma geração na faixa dos 40, que se diverte trabalhando e vice-versa. Greca entrou no Ippuc por concurso. "Com nota 10", sublinha.
Em lugar das pontes e viadutos que fazem a festa dos prefeitos faraônicos e seus insaciáveis empreiteiros, a rapaziada do Ippuc dedicou-se, nestas três décadas, a soluções criativas e de baixo custo para melhorar a convivência urbana. Foram surgindo calçadões, corredores de ônibus, usinas de lixo reciclável e outras iniciativas pioneiras, depois copiadas por outras cidades.
Hoje, enquanto as metrópoles brasileiras choram a falta de recursos, Curitiba inaugura 42 obras a cada semana: escolas, creches, postos de saúde, canalização de córregos, calçamento, bibliotecas, terminais.
Ousados e singelos
Atendido o varejão, sobram recursos para projetos mais ousados (como a Ópera de Arame), ou singelos do tipo Linha Pinhão -roteiro histórico-turístico desenhado nas calçadas, inspirado num projeto semiótico de Lange de Morretes, teórico do Movimento Paranista que defendia a valorização do Estado pela arte, nos anos 20. Mais fanático que Greca, seu último desejo foi ser enterrado num caixão em forma de pinhão, com pinha na cabeça, "para fazer brotar pinheiro na tumba".
O prefeito chega ao Passeio Público, mais antigo dos 12 parques da cidade, que ocupam 17,6 milhões de m2, o que dá 52 m2 de área verde por habitante (20 é a média recomendada pelo Habitat). "Vamos fazer uma cerca nova" , determina Greca ao secretário de Obras, Augusto Canto Neto, 40, que não sai do seu lado. "Vamos tirar os bichos e mandar para o zoológico. Teremos bichos empalhados: farei aqui um museu de História Natural ao ar livre. Pelo menos, quando os tarados derem caco de vidro aos macacos, eles não comem..."
Em Curitiba, o sistema de transporte virou atração turística. As futurísticas estações tubulares funcionam como as de metrô e despertaram o interesse de Nova York.

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