São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
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dom rafael, o venturoso

RICARDO KOTSCHO

mais graduados, que deixam a tarefa para testas-de-ferro no Congresso, o prefeito de Curitiba luta pessoalmente para ficar mais no cargo. Não esconde o jogo: "Quero ser prefeito pelo tempo que o povo deixar".
Às margens do rio Iguaçu, se empolga como se visse o cenário pela primeira vez. "Não é lindo? Aqui nascem as cataratas do Iguaçu."
"Surrar essa gente"
O Jaime e eu trabalhamos juntos na construção deste parque. Vamos fazer dois canais paralelos ao rio para evitar as enchentes. Antes, aqui era um pântano, atraindo a indústria das invasões, que trata os pobres como reféns. Quando me perguntaram durante a campanha o que eu faria com as invasões, falei na TV: vou surrar essa gente, não admito mais invasões. Pensaram que eu perderia as eleições. Na pesquisa seguinte, subi 25 pontos."
Tudo bem, mas afinal onde fica a parte feia de Curitiba? Matreiro, o prefeito sorri e pede calma. Logo adiante, passando a enorme dacha toda murada do ministro Andrade Vieira, encravada num bairro operário, o carro pára. O cenário é deprimente: casebres, ruas sem calçamento, lama, crianças descalças puxando uma vaca magra, aparece até um índio caingangue mudo, murmurando por uma esmola. Curitiba? Não, São José dos Pinhais. É uma área invadida por retirantes das zonas rurais do Paraná, que não encontraram trabalho na capital e se tornaram indigentes. "O problema da cidade está no campo. E o problema do campo está em Brasília", diz Greca, citando frase sempre repetida por Lerner. Ironicamente, o lugar fica a poucos metros da casa do ministro da Agricultura, o paranaense Andrade Vieira.
Corta!
Greca muda rapidamente a cena para a Rua da Cidadania, no Boqueirão, grande área coberta em torno de um terminal rodoviário construído em 11 meses ao custo de R$ 2,5 milhões, onde foram instalados postos de todos os orgãos da prefeitura. O contraste choca. Tem de tudo: de biblioteca a armazém popular, de farmácia a quadra de esportes, de juizado de pequenas causas a centro de orientação social. Tudo colorido, alegre, arrumado, de tal maneira que foi o lugar escolhido por Greca para abrigar o encerramento do Habitat.
Como dona de casa antiga, quer ver com seus próprios olhos como está cada setor e vai dando ordens aos 120 funcionários comandados pelo administrador regional Dirceu José de Matos, chamado de Imperador. "Quero ver esta rua lambida até amanhã, antes do pessoal da ONU chegar!" Dá bronca em estudantes que estão matando aula e fumando: "Criança fumando é uma merda. Guri fica broxa e guria fica feia".
Greca já está atrasado para a cerimônia de lançamento de um selo dos Correios homenageando o Habitat. O motorista faz-tudo Bonassin pisa fundo no acelerador. Neto de Maria Polenta, grande curandeira, ele trabalhava como observador de pássaros na Universidade Livre de Meio Ambiente. Tirou férias para trabalhar na campanha de Greca e não mais o largou. Virou "meio compadre", responsável até por arrumar as malas do prefeito.
Autor de um livro sobre tipos populares da cidade, Greca é ele próprio um personagem de ficção. "Governantes em geral são covardes. Eu não tenho medo de desgaste político. Chega de diagnóstico!", proclama, enquanto anota numa prancheta tudo que encontra de errado no caminho para depois cobrar dos responsáveis.
Um exemplo: outro dia, em visita ao bairro de Santa Quitéria, se encontrou com um grupo de madames chiques, indignadas. "O rio Barigui está sujo, fedendo", protestaram. A resposta de Greca: "Minhas senhoras, com o perdão da palavra, rio não caga. Se está fedendo, é porque vocês sujaram". Depois, mandou ver o que estava acontecendo. Dos 2.000 imóveis vistoriados, 1.200 tinham ligações clandestinas de esgoto que poluíam o rio.

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