São Paulo, domingo, 5 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

dom rafael, o venturoso

RICARDO KOTSCHO

No gabinete, decorado com quadros de gralhas, tapetes com pinhões e fotos de família, ele apresenta os parentes. "Esta é minha madrinha, Tia Chiquita. Já morreu, coitada. Virou nome de creche". Aquele ali é d. Jerônimo Mazaroto, 90, bispo mais velho do Paraná, seu primo, que à tarde receberá das suas mãos o título de "vulto emérito da cidade".
Exibições, faróis
Tereza Castro, a secretária de governo, traz o primeiro exemplar de um livro sobre Curitiba editado para o Habitat. Greca lê em voz alta: "Vamos erguer a cidade tendo livros por armas e faróis por sentinelas". "Exibido!", provoca Tereza, ao notar que Greca leu uma frase dele mesmo. Por isso Margarita já bolou até a lápide para o túmulo do marido: "Aqui jaz Rafael Greca, um homem que não desprezou nenhuma platéia, por menor que ela fosse".
A platéia para o lançamento do selo do Habitat é pequena, mas ele fala com o entusiasmo de quem discursa no Conselho de Segurança da ONU, a exemplo do que faz, em seguida, à mesa de almoço na Casa do Meio Ambiente, plantada no meio do bucólico Parque Barigui, um fundo de vale com mata nativa. Aqui funciona seu ateliê de planejamento e a casa de cerimônia.
Rafael e Margarita são tão acelerados que só se cruzam correndo ou dormindo. Margarita é igual a ele, até nas exclamações.
Estamos só na metade do dia. Como resumir d. Rafael, o Venturoso, e suas duas paixões, Margarita e Curitiba (em tupi-guarani, "aqui muito pinhão")? Ainda nem falei do papagaio, Quica, que só repete: "Vou contar pro Rafael!" É assunto para um livro.
Agenda
Resumindo o resto do dia:
14h30 - Rumo à Assembléia Legislativa, onde convidará os deputados para participarem do Habitat. Diz que vai a Washington buscar US$ 200 milhões, para obras nos bairros.
15h - Discursa na Assembléia sobre a importância do Habitat. Convida todo mundo para ver o show de Gil e Caetano na velha pedreira transformada em ópera e dá a segunda coletiva do dia. Assunto: sucessão municipal. Aproveita para defender sua reeleição. Perguntam-lhe sobre a denúncia de um vereador, que reclama de obras inacabadas. "Por isto defendo a reeleição: para acabar todas as obras..."
16h10 - Rumo à Câmara, onde vai fazer o mesmo convite aos vereadores, outro discurso, outra coletiva, após a entrega do título ao primo D. Jerônimo. "Nossa cidade é um modelo para o mundo", proclama este coquetel de prefeito, poeta, agitador cultural, mestre de cerimônias, guia turístico e paizão de todos.
17h - Greca vai nos mostrar a Central de Promoção Social, a obra-prima de Margarita, quartel-general dos miseráveis de Curitiba, que aqui também os há, como diria Jânio Quadros. Em elegantes uniformes azul-marinho, os funcionários atendem até 90 indigentes por dia. Descobre que, por falta de dentistas, o gabinete odontológico virou despensa. "O que é isso? Tá parecendo burocracia soviética!"
17h30 - Novamente no salão nobre da prefeitura, agora para a cerimônia de doação a entidades dos R$ 220 mil arrecadados na Festa de São Francisco. "Viva a nossa Curitiba!", grita, já quase sem voz. Está cansado. "Nem eu me aguento."
18h10 - Rápida visita às obras do Farol da Cidade. Pelo celular, fica sabendo que foi condecorado pelo presidente argentino, Carlos Menem, com a "Ordem de Mayo". Modesto, explica que o prêmio é para Curitiba, não para ele. Chove muito, mas ele insiste em ir até as obras da nova igreja ucraniana. "Temos aqui a maior população ucraniana fora da Ucrânia."
18h55 - Já deveríamos estar no aeroporto, mas Greca ainda nos convida para uma happy hour no bar da Ópera de Arame. As luzes estão apagadas. Manda acender. Pede um uísque. Relaxa, finalmente. Ufa!

Texto Anterior: dom rafael, o venturoso
Próximo Texto: 'obras são apenas decorativas'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.