São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995
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Máquina da Receita facilita a sonegação

ANA MARIA MANDIM
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

"Se houvesse um surto de honestidade, os omissos declarassem e quem deve pagasse, ia ser um problema muito sério, a Receita não teria estrutura para receber."
As palavras são de Pedro Luiz Gonçalves Bezerra, coordenador de tecnologia e sistemas de informática da Secretaria da Receita Federal, e refletem o que pensam seus colegas: a máquina arrecadadora do governo está emperrada, maltratando o contribuinte e descuidando do sonegador.
O motivo é a impossibilidade de obter informação em tempo hábil. "Vivemos hoje uma situação caótica em relação aos dados", diz Paulo Ramos, chefe da área de modernização da Receita. "Quando ficam disponíveis, os dados vêm inadequados ou errados."
A Receita ainda não dispõe, por exemplo, do processamento completo das declarações do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica de 93, 94 e 95 (anos-base 92, 93 e 94). Durante esse período, portanto, não se verificou se as empresas pagaram o que deviam. Os dados do contribuinte pessoa física levam de um ano a um ano e meio para ficar disponíveis.
Se o Imposto sobre Grandes Fortunas fosse regulamentado, não haveria como cobrá-lo em curto prazo: desde 92, a Receita deixou de monitorar os 30 mil maiores contribuintes pessoa física e pessoa jurídica.
"Se um grande empresário viesse à Receita e perguntasse quanto deve, eu só conseguiria responder em uma semana, com muita sorte e pondo muita gente para trabalhar", diz Bezerra.
Para fazer essa investigação, a Receita cruza cadastros como os da Previdência, juntas comerciais e outras entidades.
O único cálculo conhecido sobre sonegação é o da Unafisco (União dos Auditores Fiscais da Receita). A entidade avalia que, para cada real arrecadado, um é sonegado -em vez dos R$ 80,5 bilhões previstos de arrecadação para 1995, a Receita poderia recolher o dobro.
O cadastro fiscal pessoa física, com 90 milhões de inscritos, é outro problema: desse total, 27 milhões teriam interesse para a Receita, mas apenas 7 milhões fazem a declaração de rendimentos.
Entre os 20 milhões de omissos, há os que não declaram porque estariam isentos, mas há também os que fazem transações imobiliárias, compram automóveis e outros bens e ficam à margem do Fisco. A depuração do cadastro, que tem 7 milhões de homônimos, esbarra na insuficiência de meios.
O foco das críticas dos funcionários da Receita é o atendimento prestado pelo Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados).
Ao contrário do que ocorre com os órgãos arrecadadores de países da América Latina (à exceção de Honduras) e da Comunidade Européia, a Receita não tem parque próprio de informática.
"O Serpro não tem, hoje, condições de nos atender a contento", afirma Michiaki Hashimura, coordenador-geral de arrecadação.
"Ele trabalha com as informações centralizadas em computadores de grande porte. Eu tenho acesso à base de dados, que está em São Paulo, mediante uma senha e usando um microcomputador. Mas, como existem milhares de micros 'pendurados' na rede do Serpro, o sistema se torna lento e o tempo de resposta aumenta, prejudicando o atendimento ao contribuinte."
As consultas feitas pelos fiscais em qualquer cidade têm de "viajar" por linha telefônica até São Paulo, onde "moram" os dados, o que aumenta o custo do sistema.
Hashimura propõe a descentralização da base de dados por região fiscal. Ele diz que 97% das consultas referem-se a dados que poderiam estar disponíveis localmente.
A Receita pagará este ano ao Serpro por serviços prestados cerca de R$ 150 milhões, quantia superior ao custo do programa de modernização que vem sendo "tentado" desde 90 e que o atual secretário da Receita, Everardo Maciel, pretende executar até 98.
"Nossa situação hoje é o resultado do processo de desmantelamento do serviço público ocorrido desde o início dos anos 90", diz o coordenador-geral de arrecadação.
A escassez de auditores fiscais, por sua vez, dificulta a caça aos sonegadores. São 5.766 auditores no país. A lei prevê que a Receita tenha 15 mil fiscais, número quase alcançado em 1980 (12 mil).

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