São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995
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Neoliberalismo e as demissões em massa

ANTONIO CARLOS SPIS

O que o neoliberalismo convencionou chamar de "moderno" e "necessário" para toda empresa -reengenharia, terceirização, streamlining e outras estratégias de "reestruturação produtiva"- são nomes bonitos que servem, no Brasil, para encobrir uma ideologia cruel, que trata os trabalhadores como objetos descartáveis.
A política de demissões em massa, que já atinge as empresas privadas, em vez de contribuir para o país crescer, só aumenta a nossa população de excluídos e miseráveis, à margem do mercado. Agora, o governo FHC afia a guilhotina para deitar fora centenas de milhares de funcionários públicos e empregados de estatais.
São tristes os tempos que vivemos. Cada vez mais, o Estado quer se livrar de suas obrigações para com o bem estar social. Abandona a saúde, a educação, a previdência, os serviços públicos essenciais.
Abandona a população. Tudo em nome de uma ideologia que se proclama moderna, mas que na verdade é uma volta aos primórdios do capitalismo, em sua versão mais selvagem: quem rege o país são as leis de mercado. A lei do mais forte. A lei do cão. "Globalização da economia", ora bolas. Isso significa, sim, mais força para os oligopólios, mais concentração de renda nas mãos de poucos.
Por isso, hoje, no Brasil e em todos os países capitalistas, a luta dos trabalhadores extrapola a reivindicação por melhores salários. Virou uma questão de sobrevivência. Virou uma luta para frear o avanço do projeto neoliberal, que tenta esmagar os trabalhadores e dar todo poder às grandes empresas.
Na indústria paulista, o desemprego mobiliza a categoria dos metalúrgicos. Na Petrobrás, a ameaça de futuras demissões em massa faz os petroleiros se prepararem para uma nova batalha.
Ora, muitos de vocês podem pensar, mas a Petrobrás não está inchada mesmo? Eu respondo: mentira. O quadro de trabalhadores da empresa está enxuto e diminuiu a cada ano.
Na maioria das refinarias há falta de pessoal, ou seja, não se atinge sequer o efetivo mínimo de segurança. Isso coloca em risco não só os trabalhadores das unidades, mas também as populações vizinhas. Os petroleiros são obrigados a fazer horas-extras e dobras de turno para compensar a falta de efetivo. Assim, além da exploração do empregado, fica também comprometida a qualidade de seu trabalho. Portanto, promover demissões nessa situação seria surreal, para não dizer maquiavélico, contraproducente, irresponsável. Ou apenas uma satisfação para o apetite privatizante e neoliberal desse governo.
A verdade é que, para cada petroleiro da Petrobrás, há em média três trabalhadores terceirizados ocupando postos nas unidades de produção e administrativas na empresa. A Petrobrás tem 45 mil empregados, enquanto cerca de 140 mil são contratados por intermédio de empreiteiras.
Demitindo petroleiros, a empresa terá que substituí-los. Provavelmente, usará a mão-de-obra desqualificada das empreiteiras, que muitas vezes não fornecem sequer o equipamento de segurança a seus empregados, não oferecem cursos de formação e não cumprem obrigações trabalhistas básicas, chegando a haver denúncias de trabalho escravo entre os terceirizados dentro da Petrobrás.
Com uma demissão coletiva na Petrobrás, a empresa e o Brasil só teriam a perder. E por isso fica ainda mais forte nossa certeza sobre as intenções de FHC, de enfraquecer, sucatear, para depois vender, pouco a pouco, o que restar da Petrobrás.
Na atual campanha reivindicatória dos petroleiros, lutamos pela manutenção de uma cláusula de nosso último acordo coletivo, que permite despedir o mau funcionário, mas impede as demissões coletivas e arbitrárias. Afinal, trabalhamos numa empresa pública, sujeita a mudanças de direção a cada eleição.
Os petroleiros -que aliás entraram na Petrobrás após concursos rigorosos e são trabalhadores altamente especializados- têm todo o direito a serem protegidos contra perseguições políticas. A Petrobrás é do Estado, é do povo, e não de um ou de outro governo ou presidente.
Agora, o governo FHC poderá aprovar no Congresso a reforma administrativa, acabando com a estabilidade do servidor público, permitindo cortes drásticos no funcionalismo. Mas, como não haverá critérios para essas demissões, sabemos que quem pagará o pato serão os funcionários concursados, enquanto os que entraram pela janela vão permanecer em seus cargos, ao lado de novas levas de apadrinhados que chegarão a cada eleição.
E, a julgar pelo fisiologismo que este governo tem praticado, distribuindo cargos e benesses a cada votação de emenda constitucional no Legislativo, é provável que ainda neste mandato os servidores demitidos sejam substituídos por amigos do regime.
Estabilidade na estatal e no serviço público é uma questão de estabilidade do Estado. Isso é um princípio em qualquer país sério. Mas, infelizmente, os que governam hoje o Brasil estão sentindo "vontade de rir" quando se fala em demissão em massa.

ANTÔNIO CARLOS SPIS, 45, é coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP).

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