São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995
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Rabin, o general da paz

LUIZ FELIPE LAMPREIA

Desapareceu de nosso convívio um grande estadista dedicado à paz no mundo: Yitzhak Rabin, militar, homem público, político de grande expressão internacional e líder do povo israelense, foi vítima da incompreensão e da irracionalidade.
Tive o privilégio de conhecê-lo em Jerusalém, há pouco mais de dois meses, quando da minha visita oficial a Israel. Naquela ocasião, fiquei particularmente impressionado com o relato que me fez sobre a condução do processo de paz no Oriente Médio e com seu entusiasmo pela construção de um novo lar de desenvolvimento e prosperidade para árabes e judeus.
Confirmei a minha antiga impressão de que se tratava de um homem que encarnava uma esperança concreta de futuro para uma região tradicionalmente marcada pelo confronto entre seres de distintas crenças e perspectivas históricas pouco coincidentes.
Tocou-me, igualmente, a personalidade desse grande homem, de profundas convicções, de sentido de destino para seu povo, mas também de aguda percepção sobre as aspirações das nações árabes. Seu espírito de missão, tenaz e perseverante, se por vezes deixava a impressão de uma personalidade apenas pragmática e metódica, típica dos estrategistas meticulosos, não chegava a esconder a apurada sensibilidade que o inspirava. Não raro emocionava seus interlocutores, assim como frequentemente comovia a opinião pública com atitudes de tolerância e sacrifício.
Foi certamente esse traço de sua personalidade o principal responsável pela fórmula ampla que procurou aplicar na busca de solução duradoura para um conflito de tantas ramificações e interesses. Soube encontrar, além do intrincado e restrito processo negociador, o caminho para a transformação de seu país e da sua região em um espaço voltado para a integração e o desenvolvimento econômico. Ao contrário do que décadas de confronto induziram a pensar, o Oriente Médio é uma região que reúne condições excepcionais para participar da criação e da circulação de riquezas.
Encruzilhadas de civilizações, berço de culturas que determinaram o progresso do Ocidente, entreposto comercial de localização privilegiada, a região tem uma vocação particular para se beneficiar das novas tendências internacionais projetadas pelo fim da Guerra Fria e pela crescente globalização da economia e do comércio internacionais.
Quando visitei Israel, instruído pelo presidente Fernando Henrique Cardoso a dar novo conteúdo às relações bilateriais, pude testemunhar o quanto a sabedoria que move o processo de paz foi capaz de gerar crescimento econômico e projeção internacional para um país que destes atributos pouco gozara desde sua criação, em 1947.
De fato, a partir de Rabin, Israel despontou nos anos 90 como um grande parceiro na cena internacional, capaz de dinamizar a economia em sua região, ao mesmo tempo em que procura transferir para além dela os benefícios da combinação da paz com a estabilidade política, com o progresso econômico e com uma nova e saudável abertura para o mundo.
É dele a convicção de que a paz definitiva entre os povos da região somente será alcançada no dia em que as fronteiras do Oriente Médio forem transformadas de perigosos pontos de atrito em vigorosos centros de comércio e comunicação.
A impressionante capacidade de Yitzhak Rabin de enxergar o horizonte além das circunstâncias imediatas de sua realidade regional o fez um grande admirador do Brasil. Quando lhe entreguei a mensagem do presidente da República -na qual vinham expressamente reconhecidos o seu esforço pessoal e o papel histórico e corajoso que as lideranças israelenses, árabes e palestinas desempenham na condução do processo de paz na região- dele ouvi expressões de grande simpatia pelo Brasil, pelos brasileiros e, em especial, pela forma como em nossa sociedade se projetava, de maneira exemplar, a unidade dentro da diversidade étnica, religiosa e cultural.
O respeito e a admiração que o Brasil também dispensa ao povo de Israel e à obra de seu grande líder se manifesta agora na determinação do governo brasileiro de enviar o vice-presidente da República, Marco Maciel, às cerimônias de despedidas de Yitzhak Rabin. O Brasil inteiro, que há décadas se orgulha do trabalho e da harmonia das comunidades árabe, judaica e palestina, reverencia o grande líder israelense, na certeza de que sua obra e a sua memória manterão acesa a chama da esperança no coração da gente que ama a paz e ousa sonhar com um mundo melhor.
Assim foi que Yitzhak Rabin trocou a vida pela imortalidade, a glória das batalhas ganhas no passado por uma causa vista e entendida como a melhor para Israel e seus vizinhos. A ironia da história se encarregará, agora, de mostrar que a paz talvez lhe exigisse mais esse sacrifício, porquanto sua manutenção também dependerá daqui para frente de um sentido de coesão do povo de Israel em torno do legado deste grande general da paz.

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