São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995
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Rabin

PAUL SINGER

Primeiro foi Gandhi, depois Sadat e agora Rabin. Líderes nacionais que se empenharam a fundo para reconciliar seus povos com povos, etnias ou religiões inimigas e que foram ceifados pelo fanatismo de alguns de seus compatriotas. Como traidores da pequenez, da estreiteza, do paroquialismo, do egocentrismo dos que não conseguem reconhecer no adversário da véspera a mesma essência humana -a mesma centelha divina, diriam alguns- contida neles. Yitzhak Rabin foi um grande general, um talentoso líder político, mas sobretudo um construtor da paz. O feito que lhe custou a vida certamente lhe assegurará um lugar de honra na história do século.
Ouvimos falar de Rabin pela primeira vez como o comandante dos exércitos vitoriosos de Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Notabilizou-se então como estrategista, num conflito que agravou o velho antagonismo entre Israel e seus vizinhos árabes e ao cabo do qual os vencedores não souberam ter a generosidade de trocar os frutos da vitória pelos alicerces da paz. Mais tarde, tornou-se chefe do governo de Israel e tão pouco distinguiu-se então como pacificador. Um deslize menor obrigou-o a renunciar provisoriamente à vida pública. Retornou anos depois ao governo, como Ministro de Defesa do governo de Shimon Perez (que agora o sucede), encarregado de enfrentar a revolta palestina nos territórios ocupados.
Muito provavelmente foi essa experiência que o convenceu, juntamente com a maioria dos israelenses, que a situação existente seria insuportável e teria que ser mudada.
A Intifada foi a revolta de uma população civil desprovida de armas contra as tropas ocupantes. Israel, um país não só democrático mas, pelo seu passado, também anticolonialista, viu-se no papel de opressor e dominador.
Rabin teve de instruir os soldados israelenses a enfrentar garotos, que atiravam pedras, com a violência contida e mensurada dos que querem impor a ordem sem cometer genocídio.
Adivinho que foi nessa segunda guerra que Rabin e seu país aprenderam que é possível ocupar e submeter por muitos anos, mas que a relação corrosiva que assim se estabelece deteriora o valor dos que impõem e conduz ao desespero os que sofrem a imposição.
A paz passou a ser a condição indispensável para a sobrevivência dos palestinos com dignidade, mas também da democracia em Israel.
Há dois anos, após o erro colossal de Arafat e da OLP de terem se colocado ao lado do Iraque na Guerra do Golfo, que começaram a sério as conversações de paz. A OLP se tinha enfraquecido sobremaneira, com perda de apoios preciosos no mundo árabe. Em Israel, a opinião pública estava dividida aparentemente ao meio, entre os que queriam e acreditavam na possibilidade da paz e os que aceitavam ou desejavam a perenidade da guerra.
E foi nessas condições, aparentemente desfavoráveis, que a persistência e a fé de homens como Rabin, Arafat e Perez resultou num milagre: Israel se propunha a devolver finalmente os territórios ocupados aos seus moradores, em grande maioria palestinos, dando à autoridade palestina uma certa soberania limitada, a ser ampliada no futuro.
E assim se fez. Arafat voltou à faixa de Gaza, mostrou-se capaz de montar um aparelho de governo e depois recebeu também o domínio sobre a margem ocidental do Jordão. E no meio tempo se selou a paz com a Jordânia.
Um processo de paz saudado pelo mundo inteiro, tão inesperado e "milagroso" como o fim do apartheid na África do Sul. E houve, é claro, a revolta dos extremistas dos dois lados, dos que não aceitavam qualquer concessão feita ao "inimigo" nem qualquer reconciliação com ele. O terrorismo árabe recorreu aos atentados contra alvos civis, cometidos por ativistas suicidas. E agora o terrorismo judeu responde com o assassinato de Rabin.
A perda política e humana representada pela morte de Yitzhak Rabin é imensa e todos que amamos a paz e a fraternidade entre os povos sofremos com ela. Consola-nos o fato de que o martírio de Rabin com toda a probabilidade revigorará a causa pela qual ele morreu. O último acordo com Arafat foi aprovado pelo Knesset por pequena margem de votos. Mas a última palavra sobre o processo de paz será dada pelo eleitorado, em eleições gerais previstas para o fim do ano que vem.
Tudo indicava que a maioria aprovava a condução do processo por Rabin e Perez. É provável que muitos indecisos, talvez revoltados pelo sangue judeu derramado pelo terror árabe, agora percebam que é preciso dizer um não decidido aos que matam dos dois lados. Se assim for, a morte de Rabin não terá sido vã. De todos os modos ela tem de ser um incentivo para que a luta dele seja levada à frente, com mais determinação e empenho.

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