São Paulo, terça-feira, 7 de novembro de 1995
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Atentado expõe terrorismo israelense

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT", EM BEIRUTE

Por que a sensação de choque? Onde está a grande surpresa? Por que os "padrões duplos quando se faz referência ao assassino? Quando o mundo vai reconhecer que Israel tem um problema de terrorismo israelense?
Essas perguntas me foram feitas pelo menos uma dúzia de vezes nas horas que se seguiram ao assassinato de Yitzhak Rabin. E, ouvindo as notícias vindas de Israel sobre o assassinato do primeiro-ministro, nem sempre é fácil encontrar uma resposta.
Se o premiê israelense tivesse sido morto por um árabe, o árabe teria sido descrito como "um terrorista. Mas, horas depois do assassinato, Yigal Amir, um soldado da reserva da brigada Golani, supostamente "de elite, estava sendo descrito pelos jornalistas como um "atirador solitário, um "extremista, um "pistoleiro, seja lá o que for que isso signifique -e como possível integrante do "underground judaico.
Mais uma vez um assassino israelense, em oposição a um assassino árabe, consegue evitar ser rotulado de terrorista -pelo simples fato de ser israelense. Não foi apenas questão dos cansativos padrões duplos usados na reportagem jornalística do conflito no Oriente Médio -afinal, nenhum jornalista ousou chamar o dr. Goldstein de "terrorista depois de ele massacrar 29 fiéis palestinos numa mesquita de Hebron-, mas do efeito desta hipocrisia sobre os líderes árabes.
Se Israel deseja a paz tanto assim -os árabes vêm se perguntando-, por que não dá um tratamento tão duro a seus próprios "terroristas quanto o que dá à variedade árabe? Ou, como disse um palestino no domingo, não longe do campo de refugiados de Sabra e Chatila, em Beirute, "colonos judeus já ameaçaram a vida de Rabin mil vezes -mas quando um deles cumpre o que prometeu, espera-se que o mundo fique chocado. Esses caras também são terroristas -só que ninguém o diz.
O assassinato de Rabin reacende o medo que domina todo árabe que se sente tentado a fazer a paz com Israel: de que existe algo muito perigoso no cerne do Estado israelense -algo tão assustador quanto o inimigo "islâmico que ameaça tantos líderes árabes, um monstro que nem os israelenses nem os norte-americanos têm a disposição ou a coragem de reconhecer.
Pois os árabes desconfiam que Goldstein, Amir e os assassinos israelenses anteriores -por exemplo, o soldado israelense que massacrou nove palestinos em Richon leZion- não são atiradores isolados, solitários e dementes e sim o produto de uma sociedade fundamentalista israelense que vive em terras árabes e já anunciou que vai combater seu próprio governo para manter essas terras.
A questão dos assentamentos está no próprio cerne da "paz israelo-palestina. Se os assentamentos permanecerem, é quase certo que não haverá paz.
Se o governo israelense os enfrentar -e isso significa mais do que prometer infiltrar movimentos "extremistas judeus-, então é possível que emerja algo semelhante a uma paz. Mas Rabin apenas ameaçou o futuro dos assentamentos e já pagou por isso com sua vida.
Ele não chegou a entrar em confronto com a ameaça que os colonos representam. E nós, jornalistas, contribuímos para neutralizar as questões morais envolvidas.
A CNN tem se referido aos colonos que roubaram terra árabe e aos palestinos que a perderam como pessoas que "têm reivindicações conflitantes em relação à terra herdada. Seria difícil imaginar uma maneira mais enganosa de reportar a questão.
Assim, foi surpreendente que, depois do massacre de Hebron, foi aos palestinos da cidade -as vítimas do colono israelense dr. Goldstein- que o Exército israelense impôs um toque de recolher.
E agora, depois do assassinato de Rabin, são a Cisjordânia e a faixa de Gaza que foram fechados pelo Exército israelense -não os assentamentos judeus tão queridos por Yigal Amir.
A impressão psicológica que os árabes têm é de que está sendo atribuída a eles a culpa por um assassinato cujas raízes se encontram no sionismo descontrolado.
A alegria imatura expressa pelo Irã e outros países diante da morte de Rabin não deve ocultar os problemas reais das divisões internas de Israel, dos quais o presidente Mubarak, entre outros, já falou reservadamente com os norte-americanos, em várias ocasiões.
Yitzhak Rabin, o homem que lançou o bombardeio do sul do Líbano em 1993, matando 120 civis e colocando 300 mil refugiados na estrada em retaliação pela morte de sete soldados israelenses das forças de ocupação, não poderia ser visto por aqui como o "homem da paz que a CNN passou tanto tempo elogiando, ontem.
Fora dos limites estreitos da guerra selvagem do Hizbollah, da tristeza pública do rei Hussein, do presidente Mubarak e de Iasser Arafat, Damasco se manteve em silêncio.
Nenhuma palavra saiu do palácio do presidente Hafez el-Assad (e, portanto, nenhum pio foi ouvido do premiê libanês Rafiq Hariri). Mas é claro que Assad estava refletindo. Afinal, ele livrou a Síria de seus próprios fundamentalistas em Hama, em 1982. E ele -mais do que qualquer outro dirigente árabe- vai esperar para ver como os acontecimentos se desenrolam em Israel, para descobrir se o Israel que deseja manter conversações com a Síria vai livrar-se de seu próprio câncer, ou se vai fazer de conta, ao lado da imprensa mundial, que Amir não passa de mais um indivíduo isolado e demente.
O tempo, agora, está congelado para os árabes. E, apesar de toda a conversa sobre dedicação dobrada à paz, o "processo da aproximação árabe-israelense foi adiado.
Se Rabin, o guerreiro, não conseguiu amansar os colonos, perguntam os árabes, como pode o nitidamente não-militar Shimon Peres pretender fazê-lo? Em outras palavras, quanto vale a paz?

Tradução de Clara Allain

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