São Paulo, quinta-feira, 9 de novembro de 1995
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Consumo de calmante é tema de seminário

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Os médicos são os principais responsáveis pelo excessivo consumo de drogas psicotrópicas no Brasil. Sem a necessária formação nas faculdades, e sem tempo para ouvir seus pacientes, muitos profissionais receitam ansiolíticos apenas para aliviar sintomas.
E prescrevem anoréxicos (drogas que tiram o apetite) para qualquer um que queira emagrecer. Os ansiolíticos ou benzodiazepínicos, e os anoréxicos (drogas tipo-anfetaminas) atuam sobre o cérebro, provocando alterações psíquicas e criando dependência. São as chamadas drogas lícitas, vendidas em farmácia com receita médica.
A responsabilidade do médico no uso dos medicamentos foi um dos temas de ontem no Simpósio Sobre Uso Racional de Psicotrópicos no Brasil, promovido pelos ministérios da Saúde e Justiça e pelas organizações Panamericana e Mundial da Saúde (Opas e OMS).
Dados do Ministério da Saúde revelam que o Brasil importou em 93, 23 t de anfetaminas, três vezes mais que 88. Para a professora Solange Nappo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), essa quantidade é suficiente para o uso diário de 1,65 milhão de pessoas.
A previsão de importação para 95 era maior ainda, sem contar a produção nacional. O Brasil é um dos países que mais consome ansiolíticos em todo o mundo.
"Se o paciente tem insônia porque não está bem com a mulher, é mais fácil para o médico dar um calmante. O problema continua, mas o paciente dorme", diz Mirian Martelete, da Universidade Federal do RS. Mesmo que quisesse ajudar o paciente, o médico não teria tempo nem preparo. "Os estudantes só têm aulas de farmacologia no 2º ano", diz Helena Calil, psiquiatra da Unifesp.
Para Mirian Martelete, 90% dos médico formados não estão capacitados para diferenciar um bom de um mal medicamento por falta de conhecimento em farmacologia.
"Mesmo quem consulta trabalhos científicos não aprendeu o suficiente de metodologia para avaliar as condições em que os ensaios foram feitos." Sem acesso a obras confiáveis, a maioria usa "literatura fácil, ou fornecida pelo laboratório", diz. João Ferreira, psiquiatra da Universidade Federal do Rio, diz que os médicos "não olham mais para os pacientes, mas para a bula dos remédios".
A responsabilidade maior cai sobre os generalistas -60% dos ansiolíticos são indicados por clínicos gerais. Eles são os primeiros a serem procurados se algo não vai bem. Sem tempo para ouvir o paciente, o calmante surge como solução rápida, dizem professores.
A situação é igual em outros países. "Na Itália os médicos não conseguem distinguir entre informações boas e más", diz Benedeto Saraceno, do Instituto Mario Negri, de Milão. "Não se pode culpar só os laboratórios. Nesse caso, o monstro é o médico."

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