São Paulo, quinta-feira, 9 de novembro de 1995
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Tudo pelo social

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Experimente-se perguntar a Pedro Malan o que acha do desemprego. Andróide do economicismo, ele dará a mesma e imutável resposta que vem repetindo há meses.
Não há estabilização econômica sem dor, dirá o ministro da Fazenda. Não há país que saia de uma inflação mensal de 50% para uma de 2% sem sofrimento, arrematará.
Ninguém mais em Brasília perde tempo esfregando o desemprego na cara de Malan. Todos sabem que, a exemplo da vegetação retorcida do cerrado candango, sua justificativa não se altera.
Anteontem, porém, em São Paulo, o ministro foi submetido novamente ao fatídico tema. E, robô da objetividade, pinçou de sua linha de montagem vernacular a mesma sequência de frases.
A discussão sobre o divórcio entre o brasileiro e o relógio de ponto deveria conter certa dose de dramaticidade. Mas Malan não faz a concessão de um ponto de exclamação. Não, não. Suas palavras escorrem molengamente sobre microfones e gravadores.
Até bem pouco ainda se podia ouvir a cantilena do ministro em silêncio. Disse podia, assim no passado, e já me explico: graças a uma medida provisória de Pedro Malan, hoje sabemos que não se deve dar crédito irrestrito às palavras de Pedro Malan.
Refiro-me à operação-hospital montada para salvar bancos falidos com dinheiro do contribuinte. Essa medida transforma em conto da carocha o blablablá de que não há estabilização econômica indolor. Há sim. Só que para os mesmos.
A providência torna-se ainda mais iníqua quando se sabe que visa prioritariamente salvar o banco do principal genro da República. Ao desempregado, a dor e as cestas de dona Ruth. Ao banqueiro, a anestesia do Tesouro Nacional.
A estabilização econômica não justifica nem absolve a ociosidade do governo diante do desemprego. De que adianta darmos vivas à inflação baixa se não movemos uma palha para socorrer as verdadeiras vítimas?
Ao permitir que um banco compre outro e deduza do Imposto de Renda o seu prejuízo o governo está esmurrando o cidadão que, sem renda, não sabe ao certo o que vem a ser Imposto de Renda.

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