São Paulo, quinta-feira, 9 de novembro de 1995
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CLÓVIS ROSSI

BUENOS AIRES - A pobreza, o desemprego e a dívida externa são os grandes fatores de preocupação para os países latino-americanos. Qual é a novidade nessa formulação? Nenhuma, a não ser os seus autores: os chefes dos exércitos americanos, reunidos em Bariloche (Argentina) na CEA (Conferência dos Exércitos Americanos).
Seria injusto dizer-se que a questão social esteve sempre ausente da retórica militar. Mas foi tamanha a obsessão com um tal de comunismo internacional, supostamente onipresente, que ficou a impressão de que achavam que a miséria fora inventada pelos comunistas só para terem um pretexto para combater o capitalismo.
Obsessão que levou, no próprio âmbito da CEA, faz 20 anos, ao lançamento da chamada "Operação Condor", uma espécie de multinacional da repressão destinada a caçar "subversivos", conceito utilizado com criminosa amplitude, onde quer que estivessem.
É, pois, saudável o "aggiornamento" do discurso militar. Mas é insuficiente para disfarçar a crise de identidade em que vivem exércitos que se viram privados de inimigos, salvo localizadíssimas exceções.
Em um mundo que se globaliza veloz e inexoravelmente, a CEA insiste em que "nenhum organismo multinacional pode garantir a integridade territorial e a capacidade de autodeterminação", uma tarefa que "continua sendo função indelegável de cada Estado".
Se, como admite entre outros o presidente Fernando Henrique Cardoso, os bancos centrais não têm força suficiente para conter surtos especulativos com moedas, é pouco provável que qualquer estamento do velho Estado-Nação possa de fato garantir autodeterminação de que quem quer seja (exceto, é óbvio, os EUA).
Mas, às vezes, confesso uma profunda antipatia por aspectos da globalização. Como ontem, ao ver como uma das mais tradicionais e formosas esquinas de Buenos Aires, a de Corrientes e Florida, foi deformada por uma horrenda fachada de um Burger King.
Se globalização significa o país que produz a melhor carne do mundo render-se à carne de plástico, que viva então o nacionalismo.

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