São Paulo, sábado, 11 de novembro de 1995
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Suassuna traz arcaico à era da informação

O dramaturgo deu duas "aulas-espetáculo" em SP

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Ariano Suassuna terminou a sua segunda e última aula-espetáculo no teatro Brincante não apenas cantando, como fez na primeira, mas dançando, exultante.
"Queiram ou não queiram os juízes", esgoelou o dramaturgo, desafinado, "o nosso bloco é de fato o campeão". Estava jubiloso, vitorioso na sua defesa da cultura brasileira, popular ou erudita -mas sobretudo armorial.
Assim como ele não esperava os aplausos que interromperam a sua interpretação do barroco "Sermão da Quarta-feira de Cinza, quando declamou pela primeira vez diante de um público jovem no Recife, também não esperava a febre que causou em São Paulo, agora.
Era uma única aula-espetáculo, segunda, mas a lotação veio em tão pouco tempo que ele aceitou uma outra, um dia depois.
Na primeira, apareceu tanta gente que o público se espalhou pelos cantos do palco. Na segunda e última, chegaram a arrombar o portão do Brincante para entrar, depois de iniciada a peça.
Uma febre tal que não faltou nem mesmo a televisão, com a Cultura entrando com entrevista do palco, ao vivo, no momento em que ele estava para começar a segunda aula-espetáculo.
Uma entrevista em que repetiu, quase sem alteração, o que dizia em cena. Mas em cena era melhor. Ariano Suassuna, ele mesmo diz, é um ator frustrado. E o que ele faz no palco, com o mais sério dos propósitos, é comédia. Não fosse o maior comediógrafo brasileiro -orgulhosamente brasileiro- e o espetáculo poderia até ser descrito como "stand-up comedy".
Começa ele, "eu confesso logo que eu gaguejo, porque quando eu confesso melhora (risos), dizendo que eu sou, aí não adianta vocês saírem dizendo, 'aquele tal de Ariano Suassuna é gago', porque então eu já disse (risos)."
E por aí vai, em crescendo. Diz ser um falastrão, conta da timidez com a câmera de televisão, faz de si mesmo piada para gargalhadas descontroladas da platéia. "Sou um palhaço frustrado. Eu gosto de rir e gosto de fazer rir."
Mas o que ele diz e representa, para causar tamanho alvoroço em São Paulo? Aos 68, fascinado com as origens ibéricas e medievais ou barrocas da cultura brasileira, Ariano Suassuna é arcaico.
Ele repetiu a expressão tantas vezes durante a aula-espetáculo, para falar de si mesmo, que ela tornou-se quase um bordão.
Arcaico, ele não tem medo de questionar a cultura globalizada, de questionar Madonna, em favor de um poema popular nordestino, que ecoa uma cultura de riqueza maior. Não que seja xenófobo, avisa logo, mas quer uma cultura altiva, consciente, capaz de aceitar a influência exterior sem deixar-se substituir toda por ela.
Para mostrar tudo o que pode a cultura brasileira e em especial a língua portuguesa, o dramaturgo paraibano interpretou também na cidade o "Sermão da Quarta-feira de Cinza, para o arrebatamento do público que esteve no primeiro dia de apresentação, que interrompeu com aplausos. Ele acentuou que o padre Vieira também foi ator.
Arcaico, tinha mesmo que dar como exemplo um autor do século 17. Mas o arcaísmo de Ariano Suassuna, ao mesmo tempo em que pode ser a sua mais perfeita descrição, é uma pista enganosa.
O dramaturgo, contra a própria lenda, viajou a São Paulo de avião, falou ao telefone em longa entrevista, foi gravado em vídeo no Brincante, deu entrevistas ao vivo à televisão, usou microfone o tempo inteiro no palco.
Falou com entusiasmo das adaptações das suas peças pela Globo, como "A Farsa da Boa Preguiça". "Ela vai ser encenada numa das próximas terças-feiras, vocês fiquem atentos."
Elogiou o diretor de televisão Luís Fernando Carvalho -que foi às duas aulas- como discípulo à altura de Antônio Nóbrega ou de Romero de Andrade Lima.
Ariano Suassuna é arcaico, sim, mas carrega a contradição aparente -apenas aparente- daqueles que conjugam a própria Idade Média com a era da informação.

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