São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Editor rebate críticas à era da informática

MARIA ERCILIA
EDITOR REBATE CRÍTICAS À ERA DA INFORMÁTICA

Kevin Kelly, da revista "Wired", explica confronto com neoluditas e diz por que é um otimista tecnológico
Kevin Kelly, editor-executivo da revista "Wired", participou recentemente de dois confrontos com neoluditas na imprensa.
Um deles com Sven Birkerts, autor de "As Elegias de Gutenberg", nas páginas da revista norte-americana "Harper's".
O outro foi nas páginas de sua própria revista, em que chegou a fazer uma aposta de US$ 1.000 com o neoludita radical Kirkpatrick Sale.
Kelly sustentava que o cataclisma previsto por Sale (colapso econômico global, guerra entre ricos e pobres e desastre ambiental) para 2020 não acontecerá.
Kevin Kelly é um dos otimistas tecnológicos e sua revista é o porta-voz de uma geração de profissionais emergentes ligados à computação.
Lançou neste ano o livro "Fora de Controle", em que sustenta que as redes de comunicação têm uma espécie de "inteligência social" que supera a de suas partes. Ou seja, os homens interconectados por redes como a Internet contribuiriam para uma espécie de supercérebro. A seguir, os principais trechos da entrevista com Kevin Kelly. (Maria Ercilia)

Folha - Qual você considera o ponto mais frágil da crítica do neoluditas à tecnologia?
Kevin Kelly -Eles constróem uma separação artificial entre máquinas digitais e outras tecnologias. Não consideram a penicilina uma tecnologia, ou a contabilidade, ou ainda a arquitetura. Há uma frase famosa: tecnologia é tudo que ainda não existia quando você nasceu.
Folha - Sua metáfora da colméia, se tomada ao pé da letra, tem um lado bastante negativo. Se você considera que as redes de comunicação, como a Internet, têm uma "inteligência social", as partes que as compõem estariam abrindo mão de sua inteligência individual?
Kelly -Claro, há um custo para cada nova tecnologia. É como o próprio processo civilizatório, abre mão de algumas liberdades. As cidades, por exemplo, já são colméias hoje. E já restringem nossa liberdade em favor de uma superestrutura. Acho que a tendência é que a cultura literária como a conhecemos perca terreno. Eu diria que as pessoas acabam se tornando mais impressionistas e se torna mais difícil o estabelecimento de critérios absolutos.
Folha - Como você avalia a posição de Kirkpatrick Sale?
Kelly -Sale se diz um neoludita, ele é essencialmente contra toda tecnologia, contra complexos industriais e contra a própria civilização. Ele é um primitivista romântico, que gostaria que a civilização voltasse atrás. Birkerts, por exemplo, focaliza um determinado tipo de tecnologia, a tecnologia da tela. Ele tem restrições a uma tecnologia específica, o que é mais interessante.
Folha - Uma questão central, talvez a única realmente importante deste debate sobre tecnologia, são os empregos. Até mesmo incuráveis otimistas como Alvin Toffler estão prevendo desemprego maciço para as próximas décadas.
Kelly -Acho que é um problema. Concordo com Toffler, que haverá muitos atritos e problemas por causa disso. Mas uma das coisas que me deixam esperançoso é o fato de que as pessoas que estão chegando ao mercado agora não têm nenhuma desvantagem em relação a outras pessoas, porque as habilidades necessárias para os novos empregos são tão novas que ninguém as tem ainda. Haverá muitos empregos extintos, mas acho que mais empregos serão criados.
Se você pensar no número de empregos que há no mundo hoje, cem anos atrás haveria talvez um décimo deles. Acredito que todos esses empregos foram criados pela tecnologia.
Folha - Mas a população aumentou muito...
Kelly -Mesmo assim. Pegue o exemplo de uma revista. Já não há necessidade de pessoas que façam o trabalho de montagem de páginas, layout etc., mas em compensação há cada vez mais revistas e jornais,.
As máquinas nos livram do trabalho chato, das tarefas repetitivas e nos liberam para o trabalho criativo.
Folha - O que você acha da atenção que as idéias do Unabomber têm merecido?
Kelly -O Unabomber não é um romântico como Kirk Sale. Acho que é mais um "nerd".
Na verdade, ele trabalha com tecnologia e rejeita somente alguns aspectos dela. Ele mesmo disse que é difícil argumentar contra telecomunicações e redes.
Folha - Seus debates com Kirk Sale e Birkerts o fizeram reconsiderar alguma de suas idéias?
Kelly -Sim, mas não da forma que você poderia esperar. Conversando com Birkerts, cheguei à conclusão de que a literatura é uma forma daquilo que chamamos de "cyberspace".
Folha - Você virou uma espécie de advogado de defesa da tecnologia...
Kelly - Eu tive uma discussão no rádio justamente ontem com outra pessoa que argumentava contra a tecnologia. O que era interessante era que o apresentador do programa na verdade usava muito mais tecnologia do que eu.
Não tenho nem mesmo TV em casa, não tenho celular, não tenho telefone no carro. Acho que é bom dizer não a algumas formas de tecnologia, avaliá-las e dizer não, se for o caso.
Não concordo com idéias de que devemos rejeitar toda e qualquer tecnologia, mas meu estilo de vida é mais simples do que as pessoas poderiam imaginar.

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