São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 1995
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Disputa deixa índios morrer sem assistência

GEORGE ALONSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O índio brasileiro está relegado à pior condição de saúde do país, segundo relatório recém-concluído pela Funai (Fundação Nacional do Índio). O documento revela que 43,6% das mortes conhecidas são de crianças menores de 5 anos e 25% dos óbitos acontecem sem qualquer assistência médica.
As causas mais comuns dos óbitos são doenças respiratórias agudas (pneumonias, gripes e tuberculose), diarréias, malária e até desnutrição protéico-calórica. Ou seja, enfermidades que seriam evitadas com medicina preventiva.
Agora, quando o governo estuda reduzir as áreas indígenas (11% do território nacional) e debate o imposto da saúde, "70% dos 200 povos indígenas integram o mapa da fome", diz Rômulo César Sabóia Moura, chefe do departamento de saúde da Funai, que aplica a política indigenista do governo.
Embora a ocorrência de massacres tenha caído e a população indígena dobrado em 20 anos (hoje há 330 mil índios, contra 173 mil em 1976 e 4 milhões em 1500), o relatório da Funai, consolidado em setembro com dados de 1993/94 (quando oficialmente morreram 1.350 índios), revela negligência.
A expectativa média de vida do índio no país é de 48 anos, contra 65 do homem branco. Na Amazônia, a vida média do índio é de 42 anos. Moura afirma que atualmente o governo gasta ao ano R$ 100 por capita com a saúde do homem branco, enquanto com o índio o gasto anual é de R$ 22 per capita.
"O índio", diz Moura, "foi introduzido no capitalismo abaixo do pé da pirâmide" e vive em condições miseráveis. A mortalidade infantil indígena na Amazônia é de 200 a cada mil nascidos vivos.
Segundo Douglas Rodrigues, coordenador de programa bem-sucedido de assistência médica da Universidade Federal de São Paulo (ex-Escola Paulista de Medicina) no Parque do Xingu, o problema se deve a uma disputa entre a Funai e o Ministério da Saúde pela gestão da saúde do índio.
Em 1988, segundo ele, com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde) ficou garantida a assistência integral ao indígena, sem que fossem desprezados os métodos tradicionais desses povos.
Em 1991, decreto do então presidente Fernando Collor transferiu para o Ministério da Saúde a responsabilidade pelas ações de saúde indígena. Em 1993, em fórum sobre a questão em Brasília, o conflito, diz Rodrigues, ficou claro.
A Funai, ainda que com recursos limitados, resistia à perda da gestão, mas desativava seu esquema assistencial que, mesmo precário, garantia algum atendimento.
O resultado foi o aumento da mortalidade. Em 1994, o decreto que entregou a assistência médica ao Ministério da Saúde foi revogado. A Funai voltou ser a principal gestora da saúde indígena.
"Os indigenistas não têm experiência de saúde, e os técnicos de saúde não têm experiência indigenista. Se a saúde do branco está como está, imagine como fica a do índio", diz Rodrigues, resumindo a disputa dos dois "parceiros".
Já no Xingu, 30 anos de atendimento fiel (com vacinações liderados pelo médico Roberto Baruzzi) e respeito aos pajés contribuíram para elevar o total de índios ali de 1.880 (1979) para 3.909 (1995).

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