São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 1995
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Escritor relata 400 anos de escândalos no Reino Unido

OTÁVIO DIAS
DE LONDRES

O envolvimento em relações sexuais extraconjugais é a principal causa de escândalos políticos no Reino Unido.
É o que mostra o jornalista Matthew Parris, 46, em seu livro "Grandes Escândalos Parlamentares - Quatro Séculos de Calúnias, Injúrias e Difamações" (ed. Robson Books, US$ 27).
Parris, que foi membro do Parlamento britânico e do Partido Conservador durante sete anos, escreve atualmente uma coluna no jornal "The Times", de Londres.
No livro, lançado na semana passada, ele faz um apanhado dos escândalos envolvendo personagens da política britânica nos últimos 400 anos.
"Escândalos financeiros dificilmente conquistam o público e a imprensa britânica", disse o autor em entrevista à Folha.
Parris foi eleito para o Parlamento em 1979, mas renunciou ao mandato sete anos depois.
Ele é homossexual, o que contribuiu para a decisão. "A possibilidade de fazer parte de um escândalo político era um elemento de ansiedade em minha vida."
(OD)

Folha - O que faz um escândalo político no Reino Unido?
Matthew Parris - Sexo. Aqui é muito difícil um escândalo fazer sucesso sem envolver sexo.
O público britânico é preguiçoso e não gosta de ler nada que seja muito complicado. Em consequência, escândalos financeiros dificilmente atraem o interesse.
Folha - O que está por trás desse apetite por detalhes da vida sexual das outras pessoas?
Parris - O britânico é sexualmente reprimido, tem sentimento de culpa e sente-se embaraçado diante de sua própria sexualidade. É, portanto, obcecado pela vida sexual das outras pessoas.
Folha - É isso o que difere os escândalos britânicos dos ocorridos em países como o Brasil?
Parris - Tenho a impressão de que o brasileiro não fica tão surpreso ao descobrir que as pessoas dormem umas com as outras. O eleitorado latino-americano é mais adulto nesse sentido.
Folha - Essa confusão entre vida pública e vida privada mostra uma inconsistência do sistema político inglês?
Parris - Sim e não. Essa confusão mostra o quanto somos imaturos, juvenis, triviais e sensacionalistas. Revela uma dificuldade em discernir o que é relevante para o país e o que não é.
Por outro lado, trata-se de uma democracia muito antiga, e os escândalos lembram que os políticos são falíveis e que não se deve levá-los muito a sério. A questão é saber até onde se pode ir.
Folha - O público tem direito de saber sobre a vida privada dos políticos para formar uma opinião sobre o caráter deles?
Parris - Até certo ponto. Não é verdade que um homem que se comporta mal em sua vida privada necessariamente se comportará mal na vida pública.
A inteligência e a originalidade de um político estão muitas vezes aliadas a uma vida privada excêntrica, exótica e até mesmo bizarra.
Folha - Em seu livro, o sr. sustenta que os políticos têm uma inclinação para se envolver em escândalos. Por quê?
Parris - Para ser um político, é preciso gostar de assumir riscos. As pessoas entram para a política porque gostam de publicidade e querem ser alguém. Os políticos são jogadores e têm crença exagerada em sua própria sorte.
Não me surpreende que esse tipo de gente tenha ligações perigosas em suas vidas privadas.
Folha - Existe na imprensa britânica uma divisão entre os jornais tablóides, de teor mais sensacionalista, e os outros jornais, mais respeitados. De qual deles o sr. está falando?
Parris - Nós, jornalistas respeitados, somos muito rápidos em afirmar que tratamos os assuntos de maneira diferenciada.
Na verdade, temos uma relação de simbiose com os tablóides. Precisamos deles tanto quanto eles precisam de nós.
Normalmente, são os tablóides que iniciam um escândalo. Mas, depois que a história se torna de domínio público, temos uma justificativa para escrever sobre ela.
Deixamos os tablóides fazerem o trabalho sujo. Não acho, portanto, que temos o direito de menosprezá-los.
Folha - Foi a imprensa que criou essa cultura do escândalo?
Parris - A imprensa não inventou o apetite natural do britânico pela vida privada dos políticos, mas mergulhou tão fundo nisso que inflamou esse apetite.
Em geral, não inventamos histórias, mas as exageramos. Escrevemos sobre alguns aspectos e não sobre outros. O leitor recebe uma versão desequilibrada da história.
Por vezes, utilizamos métodos injustificáveis, como câmaras telescópicas e escuta clandestina. Isso está errado e está ficando cada vez pior.
Mas não há o que fazer, a não ser deixar nas mãos do público a escolha do jornal que pretende ler.
Folha - Um dos problemas da imprensa britânica é o pagamento por entrevistas exclusivas. Isso distorce o trabalho da imprensa?
Parris - Sim. Você pode pagar a alguém para contar uma história com exclusividade. Mas também pode pagar para saber algo que uma pessoa não contaria a ninguém se não fosse pelo dinheiro.
Conheço o caso de uma mulher que recebeu US$ 160 mil para dizer que havia dormido com um ministro, o que não era verdade. Nesse caso, o jornal chegou perto de pagar para que alguém mentisse.
Folha - O sr. foi membro do Parlamento durante sete anos. Hoje, é jornalista. De que lado está o poder?
Parris - Quando era membro do Parlamento, muitos ministros não me reconheciam e era difícil chamar a atenção de figuras importantes do meu próprio partido.
Agora que eu sou um colunista, sinto que tenho mais influência do que quando era membro do partido no poder.
Folha - Como homossexual, o sr. era um alvo em potencial para escândalos. Isso pesou em sua decisão de deixar o Parlamento?
Parris - Sim e não. Eu tive a sorte de nunca ser visto por nenhum jornalista em nenhum lugar ou clube gay. Mas era um elemento de ansiedade em minha vida.
Quanto maior o meu sucesso, maior seria o risco de exposição.

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