São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Conversa de segunda-feira

JOÃO SAYAD

Um bacharel de direito não gosta de ser estereotipado como um sujeito de terno risca-de-giz, colete, guarda-chuva e que fala sempre "data venia". Pois um economista tem horror de ser chamado de catastrofista. Por isso, todas as segundas-feiras sou tomado pela mesma sensação desagradável. Será que já falei sobre isto? Será que estou reclamando outra vez da mesma coisa? Será que dou a impressão de que sei as respostas às críticas ou perguntas que estou fazendo? Será que vou ser chamado de catastrofista?
Não sei como o Plano Real deve continuar. Vai tudo muito bem, o ambiente entre os empresários é muito otimista, só se fala em novos investimentos, privatizações, fusões etc. Vai tudo bem, mas como vai continuar?
O Plano Real depende do dólar. O dólar precisa andar bem devagar para segurar a inflação. Para que o dólar ande devagar, o governo precisa ter muitos dólares em reserva.
Por outro lado, com o dólar andando devagar, a exportação é menos rentável e diminui, e a importação é barata e aumenta, particularmente depois da redução de tarifas. Se faltam dólares de exportadores, o governo aumenta os juros para conseguir dólares dos investidores internacionais, como está fazendo agora. Compra dólares com o dinheiro que toma emprestado por meio da dívida pública, que rende 4% ao mês.
Mas a dívida interna do governo federal já está chegando a US$ 100 bilhões. Não é muito: 16% do produto brasileiro. Se continuar crescendo US$ 60 bilhões ao ano, em 1998 a dívida pode chegar a US$ 280 bilhões, mais do que 40% do produto; se crescer 100% a.a., como em 95, chega a 100% do produto brasileiro em 98, igual à Bélgica, uma fortuna paga pelos contribuintes para os proprietários de dólares. Talvez seja assim mesmo; esse é o custo da estabilização, mais caro e mais explícito do que o custo da inflação.
O cenário otimista seria assim: o governo faz a reforma administrativa, a reforma fiscal, a reforma previdenciária e consegue um superávit primário de 2% do PIB para comprar dólares ou pagar juros altos todos os anos.
O "custo Brasil" se reduz, porque os portos são modernizados, as estradas de ferro construídas, as de rodagem reformadas, a Previdência fica mais barata e as exportações ficam mais rentáveis, ainda que o dólar esteja andando abaixo da inflação. E o Real continua a acumular sucessos. A questão é saber se cada coisa vai acontecer no tempo certo, que é muito curto. Tanto mais curto quanto mais altos forem os juros. Afinal de contas, juro é o preço do tempo.
O cenário menos otimista é assim: nada disso acontece em tempo hábil, mas a economia não cresce, nem as importações. Estamos salvos. Estaremos exportando mais do que importando e o governo estará acumulando dólares saudáveis, de comércio. Para comprar os dólares, novamente precisa de superávit primário, quer dizer, dinheiro do Orçamento para comprar dólares.
Estagnação com estabilidade é ruim, embora melhor do que estagnação com inflação. Temos muito tempo para que as reclamações sobre desemprego e violência urbana criem ansiedade e mal-estar, pois são vozes que ainda não atrapalham o confortável silêncio criado pelo último ano de sucesso do Plano Real.
O cenário francamente pessimista é que nada disso acontece, o "custo Brasil" permanece igualzinho, continuamos a comprar dólares pagando juros altos, a dívida chega a valores muito altos, os investidores internacionais vão embora e o dólar muda de valor repentinamente. Muito ruim. Se quiserem estragar mesmo a segunda-feira, podem adicionar ao problema uma crise no México e outra na Argentina.
Confesso que, apesar de ser segunda-feira, estou otimista, porque temos a semana inteira para pensar em alternativas. Podemos dolarizar mais, como a Argentina, garantindo a vitória da inflação baixa e correndo o risco de poucas alternativas para recuperar o crescimento e face às crises financeiras internacionais. Ou restabelecer alguma política industrial que promova investimentos em tecnologia, aumento de produtividade e mais exportações. Ou propor reformas no setor financeiro, para que a dívida pública fique mais barata para o governo e mais atrativa para os investidores. Como o Plano Real deve continuar?

Texto Anterior: Onda de fusões; Hotel da indústria; Armando a rede; Rolando na estrada; Obstáculos na pista; Dia das Crianças; Ligação internacional; Crédito habitacional
Próximo Texto: A consciência do homem e a preservação do meio ambiente
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.